O Temporal
À medida que se passavam os dias, ia Dona
Lourencinha ficando mais nervosa, mais aflita, mais inquieta. Há um ano que o
sr. Balduino caíra naquela apatia, naquele desinteresse pelos seus encantos, e
como não se julgasse de todo inapetecível, ficava a pobre senhora a torturar-se
com aquela triste situação do marido.
O fenômeno era, entretanto, um fato
natural. Com quarenta anos de idade, casara-se Dona Laurencinha com um homem
mais velho do que ela quase vinte. Era de esperar, pois, que o marido já
estivesse quase gelado, quando a esposa não havia começado, sequer, a esfriar.
Desolada, assim, com a sua condição,
amaldiçoava a virtuosa senhora o seu destino, que lhe dera um esposo sem
energia, sem força, sem vontade, quando, uma tarde, o céu começou a cobrir-se
de nuvens escuras, anunciando um temporal. A atmosfera abafava, como um forno.
E Dona Laurencinha pensava na vida e no mundo, quando a tempestade caiu,
precedida de uma ventania formidável. Sacudidas pelo sopro do vento, as portas
e as janelas batiam, com violência. As cortinas panejavam como velas, ao mesmo
tempo que os papéis voavam de cima dos móveis, arrastados no turbilhão.
Fora, no quintal, o vento fazia estragos
maiores. Folhas de zinco foram atiradas longe, enquanto a poeira, revolvida no
solo, se erguia, rodopiando. Peças de roupa que estavam no coradouro, subiram
como papagaios de papel, enquanto a lavadeira corria para dentro de casa,
segurando com as mãos a saia de chita azul, que a ventania procurava suspender.
- Nossa Senhora! - gritou a rapariga,
enveredando pela cozinha.
E agarrando as saias, com mais força: -
Esta ventania levanta tudo!...
A essas vozes, Dona Lourencinha, que estava
no quarto de costuras, chegou à copa, indagando: - Que é, Domingas?
- Nada, Dona Rencinha. É a ventania que
está levantando tudo, no quintal!
Um raio de esperança cortou o cérebro da
pobre senhora abandonada. E foi animada por ele, que gritou, para cima: - Bene?
- Que é? - respondeu o marido.
E ela: - Vem ficar na ventania um
pouquinho, filho! Talvez te faça bem!
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886
/ 1934
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