Fidelidade
Foi à porta da matriz da Glória que a
conheci, pelo Natal. De longe, da escadaria do templo, eu lhe havia visto a
figura graciosa emergir, pouco a pouco, da verdura do jardim. Era um
maravilhoso tipo de brasileira: estatura mediana, olhos negros, morena, e uma
boca petulante, de quem mata os beijos no nascedouro. O colo, forte e
harmonioso, denunciava a mulher que conheceu, já, os mistérios do amor sem o
suplício da maternidade. E tão suave cadência tinha no andar, que, quando
começou a subir a escada, todo eu me embalava, como se ouvisse, com os ouvidos
da alma, o ritmo de uma grande orquestra encantada.
Dentro, no templo, consegui examinar-lhe,
melhor, os traços delicados da formosura. O nariz, era correto e fino: a tez,
sem artifícios, era branda, e cetinosa, sem as queimaduras que as tintas
costumam deixar. Possuía lindas mãos de dedos afilados, as quais voltavam, de
instante a instante, as páginas claras de um pequeno missal de madrepérola.
À saída, acompanhei-a. Mulher nenhuma havia
deixado em mim, até então, uma profunda impressão de honestidade. Sentia
ímpetos de beijar-lhe as mãos, de joelhos, como se faz diante dos oratórios.
Tomamos o mesmo bonde, o das Águas Férreas.
A paixão que aquela criatura me inspirava era de tal ordem, que eu, informado
de que ela era esposa divorciada de um terceiro marido, me propunha, uma semana
depois, a ser o seu quarto esposo, embarcando para Montevidéu, onde nos casamos
de acordo com as leis do país.
De regresso, eu ia para a cidade, a bonde,
quando me encontrei com o comendador Bonates, que, segundo soube pelas
explicações da minha esposa, era velho amigo da família. Sem dar-lhe notícias
do meu passo, resolvi pedir-lhe informações sobre a minha mulher.
- Ah! a Gerusa, não? Conheço-a muito.
Conheço-a desde menina.
- Bom coração?
- Coração admirável!
- Belo espírito?
- Inteligentíssima!
- Leal?
- De uma dedicação sem nome.
- Fiel?
- Um modelo no gênero.
E com entusiasmo:
- Tão fiel, que perdeu o primeiro marido,
perdeu o segundo, separou-se do terceiro e está em vésperas de arranjar um
quarto, e sempre com o mesmo amante! Os maridos passam, e o amante fica!
E apertou-me as mãos, suado, pronto para
descer.
HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-1934
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