Troque
Seu Celular Por Uma Galinha Gorda
December 26, 2014
O glorioso inventor da ansiedade, Alexander Graham Bell
(1847-1922), deve se arrepender até hoje da sua patente telefônica. (Como
Santos Dumont, dândi brasileiro em Paris, que maldisse do seu próprio brinquedo
ao vê-lo nos céus da guerra).
Nestes tempos em que celular virou brinco, eternamente colado
às “oiças” de madames, de moçoilas, de executivos e de modernos em geral, uma
reflexão recente de dona Maria do Socorro, brava sertaneja, mãe deste que vos
berra, vem como pílula mais do que apropriada: “Conheci teu pai, namorei,
casei, engravidei de todos vocês, criei minha família, cuidei de tudo
direitinho, graças a Deus não morreu nenhum… E nunca precisei dar ou receber um
telefonema, nem unzinho mesmo!”.
Mulher do sertão, que só pegou em um telefone depois dos 50
anos, anda revoltada com parentes e amigas que vivem grudados ao celular. “Tá
todo mundo de pescoço torto, cabeça decaída para um lado, parecendo frei
Damião, por causa dessa moda nova. Ora, voltem a pôr as cadeiras nas calçadas,
na frente das casas, e vão conversar sem o diacho desses aparelhos.”
A máxima aceleração de ansiedade à qual dona Socorro submeteu
os seus batimentos cardíacos foram os berros do carteiro.
A lamúria da falta do telefonema do dia seguinte, protesto do
novo código do bom-tom das moças, também é situação nunca dantes vivida. Sem a
invenção do velho Graham Bell, o dia seguinte nascia sob aurora mais sossegada.
Antigamente, tudo dependia mesmo da dramaturgia do encontro. A
onipresença amorosa e/ou comercial instaurada com o celular não era coisa deste
mundo. Uma carta, no máximo, poderia ser uma estratégia, garrafa atirada ao mar
de tantas Penélopes.
Um recado pelo rádio também valia, mas para casos de sumiços de
verdade -cheguei a ser sub do sub-redator de programa do gênero, comandado pelo
locutor Gevan Siqueira, na rádio Vale do Cariri, em Juazeiro, com recados
amorosos e novelinhas à moda de “Tia Júlia e o Escrevinhador”, de Vargas Llosa.
Deixemos de ser plantonistas do mundo. No amor, assim como nos
negócios, não somos tão importantes a ponto de alimentar essa onipresença
digital. Casanova amou centenas de mulheres sem precisar de um telefonema
sequer.
No mundo dos negócios, muita gente também fez fortuna sem
telefone, acreditando apenas no olho do dono como engorda caixa da bodega.
Quer jogar conversa fora, faça como a velha recomendação de um
Jeca Tatu: “Mate uma galinha gorda no domingo e me convide para comer”.
XICO
SÁ
CRATO-CE
= 1962
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