Já em 1884, no
tempo do Império, quando o voto para a Assembléia Geral era
censitário (só votavam pessoas acima de certa renda) e as mulheres sequer
tinham esse direito, Machado de Assis escreveu
uma crônica - bem atual - satirizando os políticos pedindo votos. Vamos a ela:
Venho pedir-lhe o seu voto na próxima eleição para deputado.
— Mas, com o
senhor, fazem setenta e nove candidatos que...
— Perdão:
oitenta. Que tem isto? A reforma eleitoral deu a cada eleitor toda a
independência, e até fez com que adiantássemos um passo. [...]
— Bem; pede-me o
voto.
— Sim, senhor.
— Responda-me
primeiro. Que é que fazia até agora?
— Eu...?
— Sim, trabalhou
com a palavra ou com a pena, esclareceu os seus concidadãos sobre as questões
que lhe interessam, opôs-se aos desmandos, louvou os acertos...
— Perdão, eu...
— Diga.
— Eu não fiz
nada disso. Não tenho que louvar nada, não sou louva-deus.
Opor-me! É boa!
Opor-me a quê? Nunca fiz oposição.
— Mas
esclareceu...
— Nunca, senhor!
Os lacaios é que esclarecem os patrões ou as visitas: não sou lacaio.
Esclarecer! Olhe bem para mim.
— Mas, então, o
que é que o senhor quer?
— Quero ser
deputado.
— Para quê?
— Para ir à
câmara falar contra o ministério.
— Ah! é contra o
Dantas?
— Nem contra nem
pró. Quem é o Dantas? Eu sou contra o ministério... Digo-lhe mesmo que a minha
idéia é ser ministro. Não imagina as cócegas com que fico em vendo um dos
outros de ordenanças atrás... Só Deus sabe como fico!
— Mas já calculou, já pesou bem as dificuldades a que...
— Mas já calculou, já pesou bem as dificuldades a que...
— O meu compadre
Z... diz que não gasta muito.
— Não me refiro
a isso; falo do diploma, o uso do diploma. Já pesou...
— Se já pesei?
Eu não sou balança.
— Bem, já
calculou...
— Calculista?
Veja lá como fala. Não sou calculista, não quero tirar vantagens disto; graças
a Deus para ir matando a fome ainda tenho, e possuo braços. Calculista!
— Homem, custa-me dizer o que quero. O que eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se candidato, refletiu no que o diploma obriga ao eleito.
— Homem, custa-me dizer o que quero. O que eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se candidato, refletiu no que o diploma obriga ao eleito.
— Obriga a
falar.
— Só falar?
— Falar e votar.
— Nada mais?
— Obriga também
a passear, e depois torna-se a falar e votar. Para isto é que eu vinha
pedir-lhe o voto, e espero não me falte.
— Estou pronto,
se o senhor me tirar de uma dificuldade.
— Diga, diga.
— O X. pediu-me
ontem a mesma coisa, e depois de ouvir as mesmas perguntas que lhe fiz, às
quais respondeu do mesmo modo. São do mesmo partido, suponho!
— Nunca: o X. é
um peralta.
— Diabo! Ele diz
a mesma coisa do senhor.
Crônica de Machado de Assis de 10 de novembro de 1884, publicada na
seção "Balas de Estalo" da Gazeta de Notícias, extraída
do livro Crônicas de Lélio(Ediouro). Foto de Machado de Assis por
Marc Ferrez.
MACHADO DE ASSIS
RIO DE
JANEIRO-RJ = 1839-1908
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