domingo, 14 de dezembro de 2014

CONTO = Luís Fernando Veríssimo



Edelvésio

“Edelvésio.”
“Isso lá é nome?”
Edelvésio baixou os olhos, mas não sorriu. Depois ergueu os olhos e encarou o treinador, ainda sem sorrir.
“Que posição?”, perguntou o treinador.
“Meio.”
“Pé direito ou esquerdo?”
“Os dois.”
O treinador deu a camisa e disse:
“Entra.”
Edelvésio entrou. Era um treino para selecionar jogador. Fila de aspirantes. Cada jogador tinha poucos minutos para mostrar o seu futebol. Edelvésio mostrou. Era bom.
E chutava mesmo com os dois pés.
Depois o treinador disse:
“Você fica”. Mas fez uma ressalva: “Edelvésio não dá”.
“É o meu nome.”
“Você não tem apelido, não?”
“Não.”
“Dedé? Vevé? Delinho?”
“Não.”
“Como é que te chamam em casa?”
“Edelvésio.”
“Não dá. Tem que arranjar um apelido.”
“Não quero.”
O treinador encrespou.
“Como não quer? Desde quando jogador tem que querer? Eu quero. Edelvésio não pode.”
“Por que não?”
O treinador fez um gesto mandando Edelvésio embora.
“Quer saber de uma coisa? Ode ir indo. Te manda.”
Edelvésio deu as costas para o treinador e começou a se afastar.
“Espera”, disse o treinador.
Tinha se lembrado dos chutes de Edelvésio com os dois pés. Precisava de um jogador como ele. Botou uma mão no seu ombro e disse:
“Não precisa ser apelido. Como é seu sobrenome?”
“Santos.”
“Você pode ser Santos.”
“Não.”
“Inventa outro nome. Mauro. Você gosta de Mauro? Ou Silas. Silas é nome de jogador. olha aí: Mauro Silas. Você está com a carreira feita. Um Mauro Silas chega à seleção só pelo nome.
Já um Edelvésio não chega a lugar nenhum.”
“Não.”
“Edmilson. Pronto. Edmilson eu aceito. É parecido com Edelvésio.”
“Não.”
“Edel. Pode ser Edel.”
“Você também não ajuda! Por que não?”
“Por que meu nome é Edelvésio.”
O treinador perdeu a paciência. Definitivamente.
“Pode ir embora.”
Semanas depois, inicio da temporada, o time do treinador se viu mal diante do primeiro adversário. Era para ser um jogo fácil, mas o time adversário tinha um jogador infernal com a dez. Estava acabando com o jogo. E chutava com as duas. Tinha feito um gol com a esquerda e outro com a direita.
“Eu conheço esse cara”, disse o treinador.
Mas não havia nenhum Edelvésio na escalação do outro time.
O treinador consultou a escalação de novo. Lá estava ele. Só podia ser ele. Mas não aparecia o nome. Aparecia o apelido.
“Teimoso.”
PORTO ALEGRE-RS  = 1936

Nenhum comentário: