domingo, 9 de novembro de 2014

CONTO = Luís Fernando Veríssimo



A Mulher Do Silva

Foi um escândalo quando a frente da casa do Souza apareceu pintada, certa manhã, com uma frase sucinta sobre a, digamos assim, conduta moral da mulher do Silva, que moram em frente. O Silva, indignado, foi perguntar ao Souza:
 – Quem foi?
– Não sei
– Como, não sabe? A casa é sua.
– Não posso ficar na calçada cuidando pra não pintarem a fachada. Posso?
Não podia. Mas aquilo não ia ficar assim. Pior era que a frase nem citava a mulher do Silva pelo nome. Ela era identificada como “a mulher do Silva”. E, para que não ficassem dúvidas: “... da frente”.
– Apaga – pediu Silva.
– Como?
– Com tinta branca. Pinta por cima.
– Mas a minha casa é amarela.
– Pinta de amarelo.
– Só uma faixa amarela? Vai ficar horrível.
– Então pinta a casa toda.
– E cadê o dinheiro?
– Eu exijo que você pinte a casa toda.
– Só se você me der o dinheiro.
– A casa é sua.
– Mas a mulher é sua.
Silva concordou. Pagou uma pintura completa da casa do Souza. Só reagiu quando o Souza sugeriu que ele pagasse também uma pintura interna, que estava precisando. O Silva pediu que o Souza não contasse para ninguém. Mas a notícia se espalhou pela vizinhança. E, não demorou muito, a casa do Moreira, que estava com tinta descascando, apareceu com uma frase na frente sobre certos supostos hábitos da mulher do Silva. O Silva foi lá.
– Quem foi?
– Sei lá. Moleques.
– Apaga.
– Não sai.
– Pinta por cima…
– Só pintando a casa toda...
Quando saiu da casa do Moreira, depois de ter concordado em financiar uma pintura completa, o Silva viu que na frente da casa do Santos, ao lado, estava escrito:
“Dou fé.” Já entrou direto na casa do Santos para combinar o preço.
O quarteirão até ficou bonito, como as casas pintadas de novo. Algumas casas, é claro, ainda têm a pintura antiga. E todas as manhãs o Silva as examina, prevendo o pior. Se bem que, segundo alguns, ele também devia vigiar a sua mulher.

LUIS FERNANDO VERISSIMO
PORTO ALEGRE-RS  =  1936

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