A
Mulher Do Silva
Foi
um escândalo quando a frente da casa do Souza apareceu pintada, certa manhã,
com uma frase sucinta sobre a, digamos assim, conduta moral da mulher do Silva,
que moram em frente. O Silva, indignado, foi perguntar ao Souza:
–
Quem foi?
–
Não sei
–
Como, não sabe? A casa é sua.
–
Não posso ficar na calçada cuidando pra não pintarem a fachada. Posso?
Não
podia. Mas aquilo não ia ficar assim. Pior era que a frase nem citava a mulher
do Silva pelo nome. Ela era identificada como “a mulher do Silva”. E, para que
não ficassem dúvidas: “... da frente”.
–
Apaga – pediu Silva.
–
Como?
–
Com tinta branca. Pinta por cima.
–
Mas a minha casa é amarela.
–
Pinta de amarelo.
–
Só uma faixa amarela? Vai ficar horrível.
–
Então pinta a casa toda.
–
E cadê o dinheiro?
–
Eu exijo que você pinte a casa toda.
–
Só se você me der o dinheiro.
–
A casa é sua.
–
Mas a mulher é sua.
Silva
concordou. Pagou uma pintura completa da casa do Souza. Só reagiu quando o
Souza sugeriu que ele pagasse também uma pintura interna, que estava
precisando. O Silva pediu que o Souza não contasse para ninguém. Mas a notícia
se espalhou pela vizinhança. E, não demorou muito, a casa do Moreira, que
estava com tinta descascando, apareceu com uma frase na frente sobre certos
supostos hábitos da mulher do Silva. O Silva foi lá.
–
Quem foi?
–
Sei lá. Moleques.
–
Apaga.
–
Não sai.
–
Pinta por cima…
–
Só pintando a casa toda...
Quando
saiu da casa do Moreira, depois de ter concordado em financiar uma pintura
completa, o Silva viu que na frente da casa do Santos, ao lado, estava escrito:
“Dou
fé.” Já entrou direto na casa do Santos para combinar o preço.
O
quarteirão até ficou bonito, como as casas pintadas de novo. Algumas casas, é
claro, ainda têm a pintura antiga. E todas as manhãs o Silva as examina,
prevendo o pior. Se bem que, segundo alguns, ele também devia vigiar a sua
mulher.
LUIS
FERNANDO VERISSIMO
PORTO ALEGRE-RS = 1936
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