CAMPINAS-SP = 1962- 2012
Os
cadáveres. De uma maneira assim, bastante geral, os cadáveres encontram-se
irremediavelmente mortos. Ou seja, não se movem, não se reproduzem, não comem
e, especialmente, não assistem futebol na TV domingo à tarde, tomando cerveja e
fazendo rodelas com as latinhas no verniz da mesa da sala.
Quer dizer, os cadáveres são seres primitivos e altamente previsíveis, dos quais até mesmo um pobre coitado de um débil mental fugido de um manicômio qualquer consegue se desvencilhar sem muitos problemas.
Quer dizer, os cadáveres são seres primitivos e altamente previsíveis, dos quais até mesmo um pobre coitado de um débil mental fugido de um manicômio qualquer consegue se desvencilhar sem muitos problemas.
Então, por que cargas d’água a gente fica completamente paralizado quando topa
com um deles assim, no meio do corredor de um hospital, como aconteceu comigo
ontem à tarde?
Veja bem, nem noite era, horário mais propício aos poucos cadáveres
recalcitrantes que insistem em caminhar por aí em alguns antigos filmes de
terror ou em pesadelos de crianças ou adultos menos dotados. Não. Era uma tarde
ensolarada e calourente, típica desses nossos modorrentos e tristes trópicos.
Estava eu andando por ali, vasculhando os corredores do hospital à procura de
uma máquina de coca-cola quando, ao dobrar um dos seus muitos cruzamentos,
topei com ele: o dito cadáver. E, devo adiantar, não se tratava de um cadáver
de todo feio. Era um cadáver até que bastante digno em sua cadaveridade. Nada
de sangue, pústulas ou membros amputados. Apenas um cadáver, provavelmente já
de banho tomado para sua última viagem, solitário em sua sapiência de conhecer
um segredo o qual nenhum de nós, os vivos, ainda sabe ou virá um dia a saber.
Fiquei olhando para ele e, ouso dizer, tive a impressão de que também era observado. Dois seres tão iguais em sua anatomia e, ao mesmo tempo, tão diferentes em sua essência.
Fiquei olhando para ele e, ouso dizer, tive a impressão de que também era observado. Dois seres tão iguais em sua anatomia e, ao mesmo tempo, tão diferentes em sua essência.
Cada qual por uma razão paralisado em frente ao outro numa esquina dessa vida
que se torna, a cada dia que vivemos, mais estranha e assustadora.
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