segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CRÔNICA = Artur de Carvalho





Agora deu de todo mundo reclamar que o mundo está cada vez mais competitivo. Que nossas crianças não arrumam mais nem tempo para brincar, porque os pais colocam as coitadinhas em aulas de inglês, aulas de natação, aulas de computação, aulas de balé, tudo para que elas se tornem adultos mais competitivos. E que isso é que está causando todos esses males desse nosso novo século como ansiedades, frustrações, depressão e tudo o mais.
Oras. Que eu saiba, o mundo sempre foi um lugar competitivo. E não é só com os seres humanos não. Para todo lado que você olha, tem competição. Veja aí o mundo dos animais. Tem até aquele ditado, talvez você conheça. Ele fala mais ou menos assim:
“Toda manhã, na África, uma gazela acorda. Ela sabe que deverá correr mais rápido do que o leão, ou morrerá.Toda manhã, na África, um leão acorda. Ele sabe que deverá correr mais rápido do que a gazela, ou morrerá de fome. Na África, quando o sol surgir no horizonte, não importa se você é leão ou gazela: o melhor que você tem a fazer é começar a correr…”
E que eu saiba, nem leão, nem gazela, sofrem de males como transtorno bipolar, enxaqueca ou insônia. Eles apenas vão tocando a vida, correndo quando precisa e descansando quando dá. E no planeta todo, isso acontece há milhares de anos. Talvez milhões.
Tudo bem que o ser humano tem a incrível capacidade de elevar uma coisa natural a um grau de saturação que acaba mesmo causando algum problema. Hoje em dia, já existe escola de inglês para crianças de 2 anos. Dois anos, puxa vida! Com dois anos, uma criança não sabe nem fazer xixi no banheiro direito, caramba, vai querer enfiar mais uma língua na cabeça dela?
Mas o caso mais doentio de competitividade exacerbada que eu vi nos últimos tempos foi quando eu passei internado uns dias no HB, em Rio Preto. No quarto em que fiquei, só tinha paciente com a mesma doença, e todos passavam pelo mesmo tratamento. A gente tinha que tomar muito diurético, porque nosso corpo não estava conseguindo eliminar os líquidos necessários. Então, de quinze em quinze minutos, a gente fazia xixi numa espécie de urinol, e logo depois a enfermeira vinha medir para ver se estávamos melhorando. O engraçado é que tinha lá um senhor meio calvo que, logo depois que a enfermeira saía, sempre perguntava quanto é que a gente tinha feito de xixi. Ante a nossa resposta, ele sempre fechava a mão, num gesto de vitória, e falava:
- Ganhei de novo! Por 50 ml!
Aí ele se virava para a parede, puxava a coberta. E dormia feliz.


CAMPINAS-SP = 1962- 2012

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