LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO
ALEGRE-RS = 1936
Ser
um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser notado, quanto
mais a ser notório. Se ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar.
Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção? Se ficou
notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros
e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem
ele sabe. É como no paradoxo psicanalítico, só alguém que se acha muito
superior procura o analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só
ele acha que se sentir inferior é doença.
Todo
mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes.
Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o extrovertido. O
extrovertido faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim ninguém
descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar
sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre
quebram na concentração. Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha
existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido
gritando "Não me olhem! Não me olhem!" só para chamar a
atenção.
O
tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as
atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular. Se cochicham, é
sobre ele. Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar.
Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para o
tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a
não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo.
O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.
O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.
O
tímido tenta se convencer de que só tem problemas com multidões, mas isto não é
vantagem. Para o tímido, duas pessoas são urna multidão. Quando não consegue
escapar e se vê diante de uma platéia, o tímido não pensa nos membros da
platéia como indivíduos. Multiplica-os por quatro, pois cada indivíduo tem dois
olhos e dois ouvidos. Quatro vias, portanto, para receber suas gafes. Não
adianta pedir para a platéia fechar os olhos, ou tapar um olho e um ouvido para
cortar o desconforto do tímido pela metade. Nada adianta. O tímido, em suma, é
uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu vexame ainda
será lembrado quando as estrelas virarem pó.
Nenhum comentário:
Postar um comentário