sábado, 5 de abril de 2014

POESIA = Mia Couto


Lembrança Alada 

 

Em alguma vida fui ave. 

Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante. 

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta. 

Liga-me à terra
uma nuvem e seu deleixo de brancura. 

Vivo a golpes
com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra. 

Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo. 

Em alguma ave fui vida.


MIA COUTO
MOÇAMBIQUE, 1955

 

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