sábado, 29 de março de 2014

POESIA = Joaquim Cardoso


Velhas Ruas

 
Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Escuras e estreitas, humildes pardieiros
Quanta gente esquecida e abandonada!
 
As varandas se alongam
Num gesto atento e imóvel de quem espreita
Rumor, sombra de passos que passaram,
Tato de mãos ligeiras invisíveis.
Velhas ruas!
Cúmplices da treva e dos ladrões,
Refúgio do valor desviado e da coragem anônima,
Sombra indulgente para os malfeitores,
De quem ocultais os crimes
E a quem dais generosas
Nos momentos de paz um conselho materno.
Comovida e cristã sabedoria,
Espírito coletivo das gerações passadas,
Estes muros que a ferrugem da noite rói sugerem
O velado esplendor espiritual dos conventos,
O ritmo das coisas imperfeitas,
A volúpia da humildade. 

Trêmula, dos lampiões
Desce uma luz de pecado e remorso,
E o Cais do Apolo acende os círios
Para velar de noite o cadáver do rio.

  
JOAQUIM CARDOZO
RECIFE-PE  =  1897-1978

 

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