Estranhas Conexões
Aquela
teoria de que no máximo seis graus separam qualquer pessoa de qualquer outra
pessoa no mundo, viva ou morta, pode levar a conexões surpreendentes. Quem se
lembra de uma musica cantada pelo Sacha Distel num filme da Brigitte Bardot, se
não me falham os neurônios, chamada Scoubidou (“Les pommes, les poires et les
scoubidoubidou-ah”), não sonha que a origem da música é uma composição do
americano Lewis Allan, Apples, Peaches and Cherries, maçãs, pêssegos e cerejas,
popularizada pela cantora Peggy Lee, nem que Lewis Allan era o pseudônimo de
Abel Meeropol, poeta comunista, autor de, entre outras coisas, um poema que ele
mesmo transformou em música chamado Strange Fruit, que a Billie Holiday cantava
chorando. As “estranhas frutas” pendendo de árvores no Sul dos Estados Unidos,
no poema de Meeropol, são os corpos de negros linchados.
Billie
Holiday insistia em cantar Strange Fruit apesar de protestos. Não era uma
música adequada para o público branco que a ouvia, em lugares muitas vezes
racialmente segregados, e sua insistência quase lhe custou a carreira. Era
incomum, na época, artistas negros se manifestarem abertamente contra o
racismo, ainda mais na forma pungente da composição de Meeropol. Alguém chegou
a dizer que se a revolta contra o racismo no Sul americano um dia chegasse a
crescer e se organizar, o movimento já tinha a sua Marseillaise. Mas enquanto
isto não acontecia, quem manteve a música viva, de maneira quase clandestina,
foi Billie Holiday. Que morreu sem ver a revista Time citar Strange Fruit como
uma das músicas mais importantes do século 20.
Abel
Meeropol foi um compositor de sucesso popular como “Lewis Allan” mas nunca
deixou de ser um ativista político, chamado muitas vezes a explicar suas
atividades – inclusive a autoria de Strange Fruit – diante da inquisição
anticomunista. Foi ele quem adotou os filhos de Julius e Ethel Rosemberg,
executados na cadeira elétrica como espiões soviéticos em 1953.
De Strange
Fruit a Scoubidou, do casal Rosemberg ao casal Brigitte Bardot-Sacha Distel…
Não sei quantos graus separam estes dois extremos, de gravidade e frivolidade.
Certamente menos do que os seis da teoria. Como é mesmo aquela frase? O mundo
dá muitas voltas. Às vezes, tonteia.
LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS = 1936
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