Elogio Da Morte
Não sei quem foi que disse que a Vida é feita
pela Morte. É a destruição contínua e perene que faz a vida.
A esse respeito, porém, eu quero
crer que a Morte mereça maiores encômios.
É ela que faz todas as consolações
das nossas desgraças; é dela que nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem
todos os infelizes pedem socorro e esquecimento.
Gosto da Morte porque ela é o
aniquilamento de todos nós; gosto da Morte porque ela nos sagra. Em vida, todos
nós só somos conhecidos pela calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos
leva, nós somos conhecidos (a repetição é a melhor figura de retórica), pelas
nossas boas qualidades.
É inútil estar vivendo, para ser
dependente dos outros; é inútil estar vivendo para sofrer os vexames que não
merecemos.
A vida não pode ser uma dor, uma
humilhação de contínuos e burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória.
Quando, porém, não se pode conseguir isso, a Morte é que deve vir em nosso
socorro.
A covardia mental e moral do
Brasil não permite movimentos de independência; ela só quer acompanhadores de
procissão, que só visam lucros ou salários nos pareceres. Não há, entre nós,
campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito
com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma idéia não repercute na massa e
quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador
de louco.
Estou cansado de dizer que os
malucos foram os reformadores do mundo.
Le Bon dizia isto a propósito de
Maomé, nas suas Civilisation des arabes, com toda a razão; e não há chanceler
falsificado e secretária catita que o possa contestar..
São eles os heróis; são eles os
reformadores; são eles os iludidos; são eles que trazem as grandes idéias, para
melhoria das condições da existência da nossa triste Humanidade.
Nunca foram os homens de bom
senso, os honestos burgueses ali da esquina ou das secretárias chics que
fizeram as grandes reformas no mundo.
Todas elas têm sido feitas por
homens, e, às vezes mesmo mulheres, tidos por doidos.
A divisa deles consiste em não ser
panurgianos e seguir a opinião de todos, por isso mesmo podem ver mais longe do
que os outros.
Se nós tivéssemos sempre a opinião
da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas.
O que é preciso, portanto, é que
cada qual respeite a opinião .de qualquer, para que desse choque surja o
esclarecimento do nosso destino, para própria felicidade da espécie humana.
Entretanto, no Brasil, não se quer
isto. Procura-se abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos
poderosos e prepotentes.
Os órgãos de publicidade por onde
se podiam elas revelar, são fechados e não aceitam nada que os possa lesar.
Dessa forma, quem, como eu nasceu
pobre e não quer ceder uma linha da sua independência de espírito e
inteligência, só tem que fazer elogios à Morte.
Ela é a grande libertadora que não
recusa os seus benefícios a quem lhe pede. Ela nos resgata e nos leva à luz de
Deus.
Sendo assim, eu a sagro, antes que
ela me sagre na minha pobreza, na minha infelicidade, na minha desgraça e na
minha honestidade.
Ao
vencedor, as batatas!
LIMA
BARRETO
RIO DE
JANEIRO-RJ = 1881–1922
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