Chapeuzinho Vermelho
Era uma
vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto,
à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava
Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio
chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque,
colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala
de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou
Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali
com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões
justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na
Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão
e… (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era,
presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de
Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, – natural seria que,
volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).
Chapeuzinho
Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais
jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor
e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é
ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: “Onde vais,
linda menina?” Respondeu Chapeuzinho Vermelho: “Vou levar estes doces à minha
avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros
acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a
uma hora e trinta e cinco minutos da tarde”.
Ouvindo
isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud:
“Psychopathology Of Everiday Life”, The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na
casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito
materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a
idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na
cama, fantasiado com a roupa da avó.
Passaram-se
quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo
evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que
o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma
perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não
era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas
suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela
era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no
cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher
ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em “Sexual
Behavior in the Human Female”. W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para
salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram
cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da
Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a
média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido
em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de
Rousseau.
MILLÔR FERNANDES
RIO DE JANEIRO-RJ = 1923-2012
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