MANUEL BANDEIRA
RECIFE-PE =
1886-1968
Frases
Dos
vendedores ambulantes que freqüentavam a Rua da União, dois me interessavam
particularmente: a preta das bananas, com o seu vistoso xale de pano da Costa,
e o homem dos sapatos. Este chegava com o seu grande baú de folha-de-flandres,
abria-o na saleta de entrada e ficava esperando pela freguesia, que eram as
senhoras de casa e da vizinhança. Eu gostava de olhar aquela confusão de
borzeguins, chinelas e sapatos rasos. Mas, um dia, o sujeito, que era robusto e
falava grosso, me interpelou: —Já vai ao colégio? Estuda Geografia? Qual é a
Capital do Espírito Santo?
Embatuquei,
e o sapateiro tripudiou: — Ignora?
O que eu esperava, o que eu ouvia dizer em tais ocasiões era: — “Não sabe?” Aquele “ignora”, que eu jamais ouvira, soou-me duro. Senti-me insultado, afastei-me do baú, nunca mais me aproximei do homem. E até hoje implico com esse inocente verbo “ignorar”, sobretudo no singular do presente do indicativo.
Outro dia foi meu tio Antonico que me surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza: — Quando você ia colher os cajus, eu já voltava com as castanhas!
Surpresa maior, porém, foi o que disse à minha avó uma sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos remédios: — Minha Dona França, deixe a natureza obrar!
Essas foram frases ouvidas na infância e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:
— A que horas a senhora janta?
— Às oito
horas.
— Não pode
ser às sete?
— Quem
marca o horário das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.
A pretinha
então, muito gentil:
— Claro,
não leve a mal que eu pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de
noite o meu trabalho lá fora?
Distribuidora
Record — Rio de Janeiro, 1968, pág. 15.
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