Mendigos
O texto acima foi publicado na
coluna "Telhado de Vidro", publicada no Diário de Notícias, Rio de
Janeiro,
no dia 12 de novembro de 1970, e
escrita poucos dias antes do falecimento do autor.
— Dai uma esmola a um pobre bêbedo,
pelo amor de Deus!... Outro, igualmente sincero, foi visto pelo Governador
Eraldo Gueiros, recentemente, no interior de Pernambuco. Havia muitos anos que
o mendigo posava de cego, nas feiras. Um dia, surgiu de aleijado.
Perguntaram-lhe:
— Desistiu de ser cego, Zé?
— Desisti.
— Por quê?
— Porque me passavam muito dinheiro
falso...
O comum dos que pedem na via
pública, porém, é a insinceridade. Quando Joraci Camargo escreveu Deus lhe
Pague, com o falso mendigo, filósofo e milionário, discutiram a realidade do
tema. Entretanto, nada mais verossímil. Hoje, no Rio de Janeiro, a mendicância
é comércio dos mais rendosos...
Ainda há dias, um motorista de praça
me contou a história de uma dona que, todas as manhãs, vem pra cidade de táxi.
Num quarto que alugou, veste o "uniforme de trabalho". Pede esmola
até a noite, e, depois, de tornar a meter o paisano, toma outro táxi, para
regressar a casa. Ganha, em média, 100 cruzeiros por dia. Trabalhando cinco
dias por semana (Porque ela faz "semana inglesa"...), fatura cerca de
2 mil cruzeiros por mês. Quase 12 salários mínimos...
Muitas alugam crianças e surgem,
ante a caridade pública, caracterizadas de mãe infeliz. Há um mendigo na
cidade, segundo me informaram, que mantém amante de luxo, em apartamento da
Zona Sul, tal qual o personagem que Procópio criou, na famosa comédia de Joraci
Camargo. E é fato corriqueiro a polícia descobrir que muitos têm conta no banco
e são até proprietários de imóveis...Por essas e outras, vi (e contei aqui)
quando um pedinte, logo cedo, estendia o jornal velho num canto de calçada,
perto do edifício do Ministério da Fazenda, para instalar-se. E um popular que
passava:— Está abrindo seu banquinho, hein?!...Enfim, os fatos mostram que a
situação está de tal maneira que não se pode confiar nos mendigos, porque, como
o uísque, nunca se sabe quando são legítimos ou falsificados...
NESTOR DE HOLANDA
VITÓRIA DE SANTO ANTÃO-PE,
1921-1970
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