HUMBERTO DE CAMPOS
MIRITIBA-MA = 1886-1934
Ferrabrás
O coronel Otaviano de Meireles, comandante de um
batalhão da Guarda Nacional aquartelado em Niterói, era conhecido em toda a
cidade pela sua valentia, e, em especial, pela sua intransigência em questões
de honra. Casado com uma das senhoras mais formosas do bairro, era tal o pavor
infundido pelo seu nome, que ninguém se atrevia, sequer, a levantar os olhos
para a sua cara metade. Aquele que tal fizesse, era, na opinião de toda a
gente, um homem liquidado.
Foi por esse tempo, e quando mais se acentuava,
em toda a praia de Icaraí, a fama da coragem do coronel, que passou a residir
na vizinha capital o jovem advogado Dr. Otacílio Fernandes, que não era
coronel, nem major, nem capitão, nem tenente, mas fora, sempre, um dos mais
famosos namoradores de Niterói. Proprietário do prédio em que o coronel
residia, não foi necessário grande esforço da parte do moço para travar amizade
com o inquilino; e esta foi tão rápida, e tão sincera, que, uma semana depois,
era o Dr. Otacílio convidado para um almoço, no primeiro domingo, na residência
do brioso militar.
Chegado o dia, lá estava, na praia de Icaraí, o
jovem capitalista. Risonho, amável, dissimulando com um sorriso gentil a
austeridade da sua fisionomia marcial, correu o dono da casa ao portão, para
receber o convidado e fazê-lo subir até à sala, onde madame já o esperava,
obsequiosa e linda, com o rosto a emergir, como uma grande rosa, das espumas de
neve do seu elegantíssimo "peignoir" de linho e renda.
- O Dr. Otacílio Fernandes - apresentou o
coronel.
E ao recém-chegado:
- Minha esposa...
Minutos depois, sentados à mesa redonda, em que
havia apenas três talheres, a palestra corria jovial, feliz, entre petiscos
saborosos e sorrisos significativos, quando o telefone tilintou. Era o
procurador do coronel que reclamava a sua presença, urgente, na estação das
barcas, para ultimação de um negócio inadiável.
- Diabo! - exclamou o bravo militar. Tenho de
ir, não há remédio!
E virando-se para o capitalista, enquanto desamarrava
o guardanapo:
- Esteja à vontade, doutor. É questão de meia
hora. Fique por aí; eu não demoro!
E para a esposa:
- Orminda, faze as honras da casa; eu venho já!
Mal o coronel tomou o bonde, duas taças se
chocavam no ar, por cima da mesa, festejando ruidosamente aquele encontro, há
tanto desejado. E de tal forma foi a saudação, que, ao reentrar em casa, o
coronel foi encontrar os dois no seu gabinete, num colóquio de excessiva
intimidade. Apanhado em flagrante, o advogado pôs-se de pé, lívido. Apoiado na
porta, que empurrara, o coronel encarou-o trovejando:
- Sim, senhor, Sr. Dr. Fernandes!
Pálido, trêmulo, o advogado lembrou-se da fama
do coronel, e sentiu que chegara a última hora da sua vida.
- Sim, senhor! - tornou o militar.
E abrandando a voz: - Você não tem medo de uma
congestão?
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