LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO
ALEGRE-RS = 1936
O Marido Do Dr. Pompeu
Ninguém
estranhou quando, depois de vinte e cinco anos de casamento, filhos criados, a
mulher do dr. Pompeu pediu divórcio. As razões dela eram normais para a
época: não queria mais ser apenas uma dona-de-casa. Queria viver sua
própria vida, estudar psicologia, ter sua própria carreira.
Tudo bem.
O escândalo, para mostrar como ainda existem preconceitos, foi quando
souberam que o dr. Pompeu, em vez de outra mulher, arranjara um
marido.
— Quem
diria, bem? O Pompeu.
A própria
mulher foi pedir satisfações.
— Pompeu,
você enlouqueceu?
— Por
quê?
— Todos
estes anos, eu nunca desconfiei que você fosse. . . desses.
— Desses o
quê?
— Você
sabe muito bem. Um...
A mulher
se calou porque nesse exato momento chegou em casa o marido do dr.
Pompeu. Um homem apenas um pouco mais velho do que ele, grisalho, ar
respeitável. Um empresário de muito conceito.
— Alô... —
disse o marido do dr. Pompeu, um pouco constrangido. — Oi! — disse o
dr. Pompeu, alegremente.
— Boa
tarde — disse a mulher, seca.
O marido
do dr. Pompeu foi tomar seu banho, ouvindo a promessa do dr. Pompeu que o
jantar estaria na mesa num instantinho. Quando a mulher ia recomeçar
a falar, o dr. Pompeu a deteve com um gesto.
— Não é
nada do que você está pensando — disse.
— Que eu
estou pensando, não, Pompeu. Que todo mundo está pensando.
— Nós
temos um acordo. Eu cuido da casa para ele, supervisiono o trabalho das
empregadas, faço as compras, faço tudo para que ele tenha uma vida doméstica
organizada e feliz.
Em troca,
ele me sustenta. Não temos nenhum contato sexual porque nenhum de nós é, como
você disse com tanta eloqüência, desses.
— Mas
Pompeu...
— Eu não
tenho do que me queixar. Meu padrão de vida melhorou.
Ele me dá
dinheiro para tudo que eu preciso. Inclusive, aliás, para pagar a sua pensão. E
hoje eu posso fazer o que sempre sonhei. Não trabalho, não me preocupo com as
contas, com a segurança da família, com todas essas coisas de homem.
E o
melhor: quando tenho que descrever minha profissão, posso botar “do lar”.
— Mas
Pompeu!
— E agora
me dá licença que preciso tratar do nosso jantar.
Depois do
jantar ele vê o Jornal Nacional e eu fico esperando a hora da minha
novela. Passe bem.
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