terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CONTO

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS  =  1936


O Marido Do Dr. Pompeu



Ninguém estranhou quando, depois de vinte e cinco anos de casamento, filhos criados, a mulher do dr. Pompeu  pediu divórcio. As razões dela eram normais para a época: não queria mais ser apenas uma dona-de-casa. Queria viver  sua própria vida, estudar psicologia, ter sua própria carreira.
Tudo bem. O escândalo, para mostrar como ainda existem  preconceitos, foi quando souberam que o dr. Pompeu, em  vez de outra mulher, arranjara um marido. 
— Quem diria, bem? O Pompeu. 
A própria mulher foi pedir satisfações. 
— Pompeu, você enlouqueceu? 
— Por quê? 
— Todos estes anos, eu nunca desconfiei que você fosse. . . desses. 
— Desses o quê? 
— Você sabe muito bem. Um...
A mulher se calou porque nesse exato momento chegou  em casa o marido do dr. Pompeu. Um homem apenas um  pouco mais velho do que ele, grisalho, ar respeitável. Um empresário de muito conceito.
— Alô... — disse o marido do dr. Pompeu, um pouco  constrangido. — Oi! — disse o dr. Pompeu, alegremente. 
— Boa tarde — disse a mulher, seca.
O marido do dr. Pompeu foi tomar seu banho, ouvindo  a promessa do dr. Pompeu que o jantar estaria na mesa num instantinho. Quando a mulher ia recomeçar a  falar, o dr. Pompeu a deteve com um gesto.
— Não é nada do que você está pensando — disse. 
— Que eu estou pensando, não, Pompeu. Que todo  mundo está pensando. 
— Nós temos um acordo. Eu cuido da casa para ele, supervisiono o trabalho das empregadas, faço as compras, faço tudo para que ele tenha uma vida doméstica organizada e feliz.
Em troca, ele me sustenta. Não temos nenhum contato sexual porque nenhum de nós é, como você disse com tanta eloqüência, desses. 
— Mas Pompeu... 
— Eu não tenho do que me queixar. Meu padrão de vida melhorou.
Ele me dá dinheiro para tudo que eu preciso. Inclusive, aliás, para pagar a sua pensão. E hoje eu posso fazer o que sempre sonhei. Não trabalho, não me preocupo com as contas, com a segurança da família, com todas essas coisas de homem.
E o melhor: quando tenho que descrever minha profissão, posso botar “do lar”.
— Mas Pompeu! 
— E agora me dá licença que preciso tratar do nosso jantar.

Depois do jantar ele vê o Jornal Nacional e eu fico esperando a hora da minha novela. Passe bem.

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