sábado, 16 de novembro de 2013

CRÔNICA

RENATO CARNEIRO CAMPOS
JABOATÃO DOS GUARARAPES-PE, 1930-1977

O Biquini Amarelo


O homem acordou cedo. As pálpebras ainda pesadas de barbitúrico. Abriu a janela, afastou as cortinas verdes, olhou o mar. A praia estava pouco freqüentada. Apenas senhores de idade provecta empenhando-se no teste de Cooper. Desfile matinal de barrigas, parecendo até uma enfermaria fazendo ordem unida. Pessoas, andando em dupla, com passadas coordenadas. Homens ricos, executivos, profissionais liberais, todos com medo do enfarte. Os barrigudos para cima e para baixo. Alguns param e fazem uma breve ginástica sueca, dão pulinhos, ensaiam uma carreirinha de poucos metros. A praia fica cheia de tubarões de duas pernas.
De repente, uma adolescente, de biquíni amarelo, sandálias brancas, cabelos compridos e soltos cruza a avenida em direção à praia. Um moreno dourado, uma juventude estourando por todas as partes do corpo, um andar preguiçoso e cheio de música, conduzido por pernas esplendidamente modeladas, com os quadris bem feitos e generosos, martarocheanos. Dois pedaços de carne branca formam sugestivas fronteiras. Lentamente, em ritmo de embuá, ela armou o seu guarda-sol amarelo de franjas azuis. Como participando de um ritual, passou óleo de bronzear nas partes descobertas. Cuidadosamente, devagar, muito devagar. Dava a impressão de que estava se acariciando. Depois, pegou, com o mesmo ritmo, a escovar os cabelos. Todos esses preparativos terminados, sentou-se e começou a ler um livro. Não dava para ver o título. Doce pássaro da juventude?
O homem usou, pela primeira vez, o binóculo que o amigo lhe emprestara dias antes. Trouxe-a quase para o seu terraço. Um animal jovem, cheio de saúde, enchendo a manhã de praia de beleza e galhardia. Andorinha só fazendo o verão. Quem seria? Por que estava tão cedo na praia? Uma aeromoça que acabava de aterrissar?
Um senhor de cabelos grisalhos, barriga indiferente à alta do petróleo, interrompe o seu Cooper e se dirige à jovem de biquíni amarelo. Senta-se ao seu lado e – parece mentira – de saída, dá-lhe um demorado beijo na boca. Ele tem uma aparência viciosa, decadente, meio fanada. Ficam de mãos dadas contemplando o mar. Um casal de namorados, vejam só. Um namoro começado ardentemente, logo nas primeiras horas da manhã. A bela e a fera. O verão e o inverno. O verde e o cinza. Só sei que mostravam muita ternura e enlevo. Depois de uma hora, aproximadamente, o cavalheiro se despediu. Voltou ao seu teste de Cooper. Andou, andou, perdeu-se de vista. Sumiu. A jovem de biquíni amarelo demorou pouco tempo. Logo, desarmou o seu guarda-sol, vestiu uma calça jeans e veio para a calçada. Tomou um táxi e também desapareceu. Deixou no ar alguma coisa de mistério, de amor proibido.
O homem, de binóculo na mão, assistiu à partida da jovem de biquíni amarelo. A praia, agora, estava inteiramente deserta. Teria sido realidade? Estava mesmo acordado? Talvez tenha sido o sonho de uma manhã de verão. Quase sem querer, o homem acenou um rápido adeus em direção ao táxi. Na hora de tomar café, ainda lembrando a moça de biquíni amarelo, ficou pensando, longamente, no capítulo dos gestos inúteis. O insólito pouso do pombo na pista de sargaço. Ao se levantar da mesa, o homem voltou para as suas incansáveis releituras, vestido de uma já gasta túnica de paciência.

(14.11.1976)


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