LUIS FERNANDO VERISSIMO
PORTO ALEGRE-RS = 1936
O último bonde
para o bairro onde eu morava saía do centro à uma da madrugada. Aos sábados,
tinha um que saía mais tarde. Aos sábados, depois da sessão da meia-noite dos
cinemas, a gente corria para não perder o último bonde. As sessões da
meia-noite muitas vezes eram de filmes “científicos”. Era a sacanagem que ainda
não ousava dizer seu nome. Os adolescentes que hoje têm sexo em profusão sob os
seus dedos não sabem o que era a busca desesperada pela mulher nua.
Aparecia um seio
da Martine Carol num cinema e nós estávamos lá, fazendo fila para a primeira
sessão da tarde. As coxas da Silvana Mangano em outro, e corríamos para lá.
Tínhamos vagas notícias de revistas dinamarquesas que mostravam tudo, mas onde
encontrá-las? Não me lembro bem do que tratavam os filmes “científicos”, mas
acho que eram alertas contra as doenças venéreas, com demonstrações gráficas
das suas conseqüências, portanto mais broxantes que excitantes. Mas quem
brochava, naquela época? A adolescência era uma ereção ininterrupta.
Aquele cheiro
metálico dos bondes. Os barulhos que faziam. Os gemidos, o “pscht” dos freios.
Nossa admiração pelos fiscais que pulavam de um bonde em movimento para pegar
outro, e faziam anotações misteriosas em suas planilhas. O meu bairro era alto
e o bonde começava a subir assim que saía do Centro. Como era lenta a subida do
bonde para o meu bairro.
Mas não me
lembro de achar que perdia tempo. Aproveitava-se para pensar na vida, ou o que
passava por pensar na vida, na adolescência. Nada como um bonde lento para
meditar sobre o significado de todas as coisas. Sempre achei que se a linha do
meu bairro fosse um pouco mais longa eu teria decifrado o Universo.
Descer do bonde
em movimento era uma das obrigações da juventude, quase uma prova de macheza. E
o desafio maior era subir no bonde em andamento. Corria-se de costas ao lado do
bonde, agarrava-se com uma mão a barra vertical da porta, pulava-se girando o
corpo no ar e caía-se com um pé no estribo, virado para a frente. Havia o
perigo de cair embaixo do bonde, mas quem diz que na província não havia
aventura?
Nos filmes
musicais, sempre que alguém começava a cantar passava um murmúrio de
impaciência pela platéia. As músicas não eram bem-vindas nos filmes musicais
daquela época. Beijos na tela eram recebidos com o grito de “Gol!”. E o máximo
do humor era espantar o pássaro da apresentação da Condor Filmes. Acho que algo
mudou na nossa alma quando paramos de espantar o condor.
E, como num
poema do John Updike, nós nem sabíamos que éramos uma geração.
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