sábado, 9 de novembro de 2013

CONTO

GILVAN LEMOS
SÃO BENTO DO UNA-PE, 1828

Tarde De Domingo

Júnior estava aborrecido. No sábado tinha chovido de manhã, por isso não pôde ir à praia, de tarde, pra não deixar ele brincar com os coleguinhas e à noite, não tinha nada mesmo para fazer, ficou vendo televisão.
No domingo amanheceu chovendo, mas chuva fina. Júnior ficou pensando se ia parar mesmo de chover ou Deus ia aprontar com ele de novo, pra quando chegar a hora do jogo mandar chuva forte, dessas que não dá pra sair de casa.Não duvidava nada, era um menino marcado. Deus fazia chover só para prejudicá-lo.
Mas, vamos ver em que vai dar não é Deus? Será que hoje eu vou ao estádio ver o Santa Cruz jogar e ganhar?
As horas estavam passando e Júnior começou a duvidar e nada do pai chegar da rua. Já sei, dizia-se intimamente, papai não vem, perco o jogo e fim.
A mãe vendo a agonia do menino tentava acalmar:
_ Seu pai chega já. Ele não prometeu?
Realmente o pai veio, executando passos do frevo, estava bêbado.
Júnior então saiu de perto do pai, quando ele o chamou não atendeu. Estava com raiva do pai, muita raiva mesmo.
O pai então se aproximou e disse:
_ No próximo domingo nós vamos, será um jogo melhor, pois será final de campeonato.
Júnior sem olhar para o pai responde:
_ E se o Santa Cruz ganhar hoje.
E o pai:
_ E você acha que ele vai perder? Se é assim nem vale a pena ir. Ou você gosta de ver seu time perder?
Júnior não respondeu, estava convencido de que não valia a pena discutir com o pai.Ao retirar-se ainda ouviu o pai dizer pra mãe:
_Talvez Carlos, o vizinho possa levá-lo com os filhos dele.
Júnior grita:
- Já foram.
- E o pai ainda diz:
- Então telefone para o seu irmão.
Dessa vez Júnior falou alto:
_ Desde ontem foi para Itamaracá, não lembra? Ele até convidou você, mas você prefere beber com os seus amigos!
Sem alternativa, o pai diz:
-Então vá sozinho!
Então a mãe que estava calada até então disse:
_ Está louco! Uma criança de onze anos!
O pai diz que na idade dele já andava sozinho para todos os lugares e a mãe zangada lembra que hoje em dia é perigoso até para os adultos, há muita violência.
Júnior depois de um tempo volta a sala e vê o pai dormindo no colo da mãe.Então é assim pensou.Problema resolvido, o pai livre do compromisso e a mãe desobrigada de interceder em seu favor. Por que tudo tem que ser assim, contra ele?
Júnior retira-se, vai para o quintal. Não chove mais. De maneira alguma vai chover e diz em pensamento: agora pode chover, não vou ao jogo mesmo!
Ele permanece no quintal resmungando:
_ Todo mundo vai ao jogo. Só eu sem pai nem mãe, sem ninguém, não tenho direito a ir.
Ficou então olhando as formigas, ocupadinhas, trabalhadeiras. E se ele fosse uma formiga. Não se preocuparia com besteiras, não sofreria.
Passado algum tempo a mãe chama-o:
_ Júnior, Júnior, onde você está?
Ele foi ao encontro da mãe. O Pai estava por trás dela e disse:
_ Taí, não foi ao jogo, nem morreu.
Ele já havia esquecido do jogo, mas não daria esse gostinho de dizer isso ao pai.
A mãe o chamou para lanchar e ele, embora morrendo de vontade disse:
_ Não quero porcaria de lanche! Vocês criam filhos como se fossem cachorros, não lhe dão nem o direito de assistir ao time dele jogar.
O pai deu-lhe então a notícia:
Foi bom você não ter ido, o Santa perdeu.
Júnior saiu correndo, dizendo ser um infeliz, que não devia nem ter nascido.
A mãe, depois de algum tempo, vai atrás do filho e o encontra distraído, brincando com as formigas.
A mãe então pergunta:
_ Você queria ser uma formiga, filho?
E Júnior responde sorrindo.
_ Acho que sim.



LEMOS, Gilvan.Tarde de domingo-Largo da Alegria e outros contos; Editora Bagaço, 1996.

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