LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS = 1936
Recaída
A proposta era simples. Cláudia acompanharia João Carlos
numa visita à casa dos seus pais, na cidadezinha onde nascera, e seria
apresentada como sua namorada. Alguém o tinha visto no Rio e chegara à
cidadezinha com a notícia de que ele era gay. Ele precisava provar que não era
gay.
Mas você não tem uma namorada de verdade? – perguntara
Cláudia
- Por que eu?
Porque eu sou gay. Não tenho namorada. Tenho namorado. O
nome dele é Roni. Não posso aparecer lá com o Roni.
Mas ninguém liga pra isso, hoje em dia. Liga?
Na minha cidade, na minha casa, ligam.
Cláudia hesitara. Quase não conhecia João Carlos. A ideia
de passar o Natal e o ano-novo com um quase desconhecido, na casa de uma
família totalmente desconhecida, numa cidadezinha inimaginável, não a atraía.
Se bem que… Poderia ser divertido. O João Carlos não era antipático. E os dois
se fingindo de namorados, enganando todo o mundo… Ela não tinha outros planos
para o fim do ano. Nenhum desfile agendado. Seria divertido. Topou.
No aeroporto, antes de embarcarem, João Carlos se despediu
de Roni com um beijo prolongado e disse para ele não se preocupar.
Não vá me ter uma recaída… – disse Roni, indicando Cláudia.
Pode deixar – disse João Carlos. – Não há perigo.
Os três riram muito.
Ao churrasco na casa dos pais de João Carlos, na primeira
noite, veio gente de toda a região, parentes e amigos e até alguns que ninguém
conhecia, para ver a namorada carioca. A notícia de que Cláudia era, além de
carioca, uma bela mulher, uma modelo, se espalhara rapidamente e todos queriam
vê-la, e ouvi-la, e dizer “O Joãozinho, hein? Quem diria”. Os dois tinham
dormido em quartos separados, João Carlos no seu quarto antigo, Cláudia com a
irmã dele. A mãe do João Carlos, que via novela e sabia que aquilo era comum,
não se importaria se os dois dormissem juntos, mas “O seu pai, sabe como é…”.
Eles sabiam como era. Não dormiam juntos, mas passavam o tempo todo se
acariciando e se beijando, em casa e na rua. Provando para a cidade inteira que
aquele boato de que o João Carlos tinha desandado no Rio era invenção, pura
invenção. Gostava de mulher. E, a julgar pela Cláudia, gostava de grandes
mulheres!
Foi na noite de ano-bom, depois de muito frisante no clube,
depois de se abraçarem e se beijarem apaixonadamente à meia-noite para todos
verem, que os dois chegaram em casa e não foram cada um para o um quarto, foram
para o quarto do João Carlos, quem diria, onde se amaram durante toda a
madrugada, tentando não fazer muito barulho. E de manhã, suas pernas ainda
entrelaçadas com as de Cláudia, João Carlos lamentou o acontecido, e disse “Bem
que o Roni me avisou…”, e a Cláudia beijou a ponta do seu nariz e disse:
Pronto, pronto.
Voltaram para o Rio no dia 2, o João Carlos silencioso no
ônibus e no avião, com cara de culpa, depois de pedir à Cláudia que em hipótese
alguma comentasse a sua recaída para quem quer que fosse senão o Roni ia acabar
sabendo, e a Cláudia silenciosa, com o secreto orgulho de ser tão desejável,
tão mulher, que provocara a recaída fatal do João Carlos, depois de prometer
que não contaria nada a ninguém, que aquilo ficaria entre os dois, só entre os
dois, para sempre.
Ainda ontem a Cláudia encontrou o Roni e perguntou pelo
João Carlos e o Roni disse:
Quem?!
O João Carlos. Seu namorado.
Ah, é. Está bem. Muito bem. Quer dizer. Olha aqui… Esse
negócio de namorado…
Você também mal conhecia o João Carlos. Não é?
É. Eu…
Ele pediu para você fingir que era o namorado dele.
É
O seu nome nem é Roni.
Não.
Cláudia sorriu. Pensando: se o João Carlos tivesse me
pedido, honestamente, sem mentir, sem encenação, topa ou não topa, eu teria
topado?
Provavelmente não. Uma mulher como eu? Provavelmente não.
O falso Roni tinha chegado mais perto e estava dizendo:
Olha, eu também não sou gay. E se quiser, posso provar.
Cláudia se afastou, ligeiro. Pensando: ô raça, essa
masculina!
Nenhum comentário:
Postar um comentário