Penso,
logo Existo
in "Discurso do
Método"
De há muito tinha notado que, pelo que respeita à
conduta, é necessário algumas vezes seguir como indubitáveis opiniões que
sabemos serem muito incertas, (...). Mas, agora que resolvera dedicar-me apenas
à descoberta da verdade, pensei que era necessário proceder exactamente ao
contrário, e rejeitar, como absolutamente falso, tudo aquilo em que pudesse
imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não ficaria qualquer coisa
nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável.
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas
vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como eles o fazem imaginar. E
porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de
geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar
sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até então me
servira nas demonstrações. Finalmente, considerando que os pensamentos que
temos quando acordados nos podem ocorrer também quando dormimos, sem que neste
caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até então encontrara
acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus
sonhos. Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo
era falso, eu, que assim o pensava, necessáriamente era alguma coisa. E notando
esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas
as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar,
julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da
filosofia que procurava.
RENÉ DESCARTES
FRANÇA, 1596-1650
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