AFFONSO ROMANO DE
SANT'ANNA
BELO
HORIZONTE-MG = 1937
Desmascarar Os Mascarados
Os
mascarados foram, enfim, desmascarados. A imprensa cansou deles, até porque foi
alvo irracional de sua estupidez. As pessoas crédulas e de bons sentimentos que
saíram em protestos pelas ruas, não querem mais saber deles. Efetivou-se a
operação isolamento. Por que uma pessoa usa máscara? Hipóteses conhecidas: 1)
para brincar no carnaval 2) nos bailes à fantasia 3) para cometer um assalto ou
crime 1-1.No carnaval a máscara, a rigor, não esconde, ao contrário, revela um
sonho, uma duplicidade. Por isto se diz que a pessoa está “fantasiada”. Mas quando chega a “ hora da verdade”a
pessoa tira a máscara, se entrega. Quarta feira de cinzas é para isto. 2..1 Os
bailes à fantasia são uma brincadeira, porque é fácil reconhecer os mascarados. As pessoas estão mais
interessadas no luxo e na exibição, na sedução do outro. E as “batalhas de confete”eram brincadeiras ingênuas. 3.1.Nos
filmes (ou na realidade) o mascarado que assalta não quer ser reconhecido.Ele
não está brincando. Assalta e pode matar ou morrer. Há outras variantes. Os
movimentos de rua que começaram em junho embaralharam as coisas. É conveniente
esclarecer esses termos: revolta, rebelião, revolução, e claro, carnaval. Exemplo:
todos temos razões de estar revoltados. Não é exclusividade brasileira. Há até
revolta social e metafisica, Albert Camus escreveu o romance”O homem revoltado. Os “hippies”eram
revoltados. Diria que grande parte dos que foram às ruas eram pessoas “revoltadas.
Queixavam-se do transporte,
da saúde pública, da corrupcão. Eram reclamações, como se dizia no tempo da
ditadura: amplas, gerais, irrestritas. O segundo degrau depois da revolta é a
rebelião. A rebelião faz barulho. É um grito de desacordo, pode ocorrer num
quartel, num campus, numa fábrica. Mas a rebelião surge e desaparece dando o
seu recado. Já a revolução é a soma da revolta e da rebelião. A revolução quer
por as coisas de cabeça para baixo, por isto rolam cabeças, tronco e membros.
Quem estava na margem vem pro centro, quem estava por baixo fica em cima.
Revoluções são utopias e sangrentas. As manifestações de rua que estouraram em
junho contra o aumento das tarifas foram uma revolta e uma rebelião. A multidão
desgarrou-se dos partidos e das lideranças costumeiras. Aí surpreendentemente
surgiram os “baderneiros” os “vândalos”os “black
bloc”e de certa maneira os “ninja. Não adiantava um “ revoltoso” dizer a um “
baderneiro: “pára de
quebrar a coisa pública! Essa é uma manfestação pacífica! Uma conhecida que foi
à manifestação ficou
horrorizada, aturdida, quando começaram a quebrar a loja do seu irmão. O
mascarado - a que chamam de “baderneiro,
“vandalo “ “black
bloc”tem uma carateristicas própria além da máscara. São homens. Jovens,
parecem saídos de academias. É a testosterona
desgovernada. Se dessem o governo para eles, seria o caos, porque são o caos em
movimento. Aliás, não querem o governo, repito: são testosterona desgovernada.
Reparem que não há mulher nesse conjunto. O pessoal da revolta e da rebelião
custou a sacar quem eram os “baderneiros.
A imprensa mesmo ficou em cima do muro. Levou dois meses para ser mais
enfática. Custaram a entender a diferença entre permissividade e democracia. E
os velhos revoltados e revolucionários dos anos 60, enfim, constataram que
esses grupos de “baderneiros” eram fascistas e autoritários e não
tinham projeto algum. Ah, sim, entre os heróis de quadrinho há alguns
mascarados. Mas não quebram vitrinas e nem levam para casa objetos roubados.
Estado
de Minas.Correi Braziliense- 15.09.2013
MÚCIO LEÃO
RECIFE-PE
= 1898 / 1969
A Rede
A
nossa venerável rede já aparece no primeiro documento relativo ao Brasil. Lá
está na carta de Pero Vaz de Caminha. Vão os conquistadores brancos visitar a
aldeia dos índios, e eis como Caminha a descreve: "Segundo eles diziam,
foram bem uma légua e meia a uma povoação de casas, em que haveria nove ou dez
casas, as quais diziam que eram tão compridas cada uma como esta nau capitânea;
e eram de madeira, e de ilhargas de tábuas, e cobertas com palha de razoada altura,
e todas em uma só casa, sem nenhum repartimento; tinham de dentro de muitos
esteios e de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos em cada esteio, altas,
em que dormiam; e debaixo, para se agüentarem, faziam seus fogos."
Objeto
de uso imprescindível para o índio, foi logo a rede um objeto também
imprescindível para o branco, que tão bem procura assimilar tantos hábitos
selvagens. Em São Paulo
por exemplo, a difusão da rede foi imensa. Todo mundo só dormia em rede. Sérgio Buarque
de Holanda alude a uma determinada cama que existiu em São Paulo no século
XVIII: a de Gonçalo Pires. Mas acrescenta: "Em verdade, não era essa cama
a única existente na época em São Paulo. Existia ainda a de Gaspar Cunha e de
sua mulher Isabel Sobrinha."
Como
em São Paulo ,
a rede é, no Nordeste, um elemento insubstituível de vida. Segundo Gardner, a
rede é, à noite, a cama preferida por ser muito fresca — o que ele, que durante
três anos não dormiu em outra coisa, pode atestar; e é durante o dia, o
substituto da cadeira ou do sofá...
Dormida
de índios, a rede passa, com efeito, a ser dormida de brancos. E como os
brancos a ela se adaptam, como a amam, como a adoram! Há, nesse sentido, um
depoimento curioso — o do padre Rui Pereira, o amabilíssimo jesuíta, aquele
doce homem para o qual o Brasil era o paraíso na terra. Ele expressava a sua
infinita felicidade de viver no Brasil, e meditava: "Dir-me-ão; que vida
pode ter um homem dormindo em uma rede, pendurado no ar como rédea de uvas?
Digo que é isto cá, tão grande coisa que, tendo eu cama de colchões, e
aconselhando-me o médico que dormisse na rede, a achei tal que nunca mais pude
ver cama, nem descansar noite que nela não dormisse, em comparação do descanso
que nas redes acho."
Ainda
hoje será assim. Se o Nordeste, em geral, adotou a cama como um móvel de uso
constante — nem por isso baniu a rede. E há regiões nordestinas, sobretudo no
interior, em que a rede continua a ser durante a noite a cama em que se dorme e
durante o dia o sofá ou a cadeira em que se repousa.
Além
do lugar de dormir, a rede era também veículo de transporte. Ainda hoje no
interior será usada — ora para transportes de enfermos ou até de mortas, como a
vimos pessoalmente tanta vez, em localidades pernambucanas; ora para conduzir
pessoas importantes, que não desejam cansar os pés.
Koster,
que tanto se divertiu com as coisas brasileiras, conta um episódio curioso,
ligado a rede como meio de transporte. Achava-se ele enfermo no engenho, e
tendo de ir a Recife, teve de recorrer a uma rede, que era conduzida por negros.
Ao atravessarem Olinda, uma preta perguntou se ali ia algum morto. Respondeu um
dos carregadores: "Não é um morto que levamos aqui: é o diabo, que vai
dentro da rede." Depois voltou-se para Koster e perguntou: "Não é
mesmo, patrão?". Ao que Koster respondeu: "É sim." A boa mulher
continuou seu caminho, benzendo-se e excomungando: "Ave Maria! Deus vos
defenda!"
Motivo
de constante saudade para os nortistas ou nordestinos que emigram para o Sul,
para os sulistas que sairam do país, a rede é uma fonte de inspiração do
brasileiro. Lá está celebrada na emoliente e quente poesia de Gonçalves Crespo.
Lá está nas deliciosas trovas de Adelmar Tavares.
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