WALCYR CARRASCO
BERNARDINO CAMPOS-SP = 1951
O Mundo É Do Barulho
Vou dormir de madrugada. Acordo tarde. Tenho sono
pesado. Há um bom tempo, pulo da cama às 7 da manhã! É quando começam as
marteladas no apartamento do vizinho. Perguntei ao zelador:
— O vizinho está reformando?
— Mandou botar pedras decorativas na parede. Uma a
uma!
Uma a uma, oh, céus! Dá impressão de que estão
construindo as pirâmides. Até que tenho sorte. Um amigo casou-se e mudou para o
apartamento de seus sonhos.
— A minha mulher é um doce! Agora vou aquietar —
prometeu.
No segundo dia de vida em comum, começaram a
quebrar tudo no apartamento de baixo. Marretadas de manhã até o entardecer! O
casal ficou tenso. Discussões explodiam por qualquer motivo. Ele a acalmou:
— Estamos nervosos por causa do barulho. Daqui a
pouco acaba.
Finalmente, as marretadas cessaram. Eles sorriram
aliviados. Na manhã seguinte, começou a maquita. O som dessa maquineta cortando
pisos é de enlouquecer. A doce esposa criou um ferrão! Histéricos, eles discutiram
porque um dos dois havia esquecido o leite fora da geladeira. E o leite
redundou na separação. Ela voltou para a casa da mãe. Ele ficou com o
financiamento do imóvel e o barulho da obra.
Mas reformas são inevitáveis. E quando o ruído
provém de um calçado?
— Minha vizinha de cima anda de tamancos o dia
todo! É toc, toc, toc! — confidenciou uma amiga do Twitter.
Um amigo enlouquecia com o salto agulha da
executiva do andar seguinte. Outro, com as crianças alheias brincando de
pega-pega no quarto imediatamente acima do dele! Mas o premiado sou eu! Ganhei
uma banda de rock! Tenho uma casa na Granja Viana na qual procuro descansar nos
fins de semana. De uns tempos para cá, todo domingo o filho de uma vizinha
resolve ensaiar com a turma. O som se propaga de maneira impressionante em um
lugar com poucas construções. A desafinação também! Já tive vontade de bater na
porta e aconselhar:
— Desistam! Isso não é música, é barulho!
Não posso, sob o risco de cometer um erro. Muitas
bandas modernas são tão agradáveis quanto uma serra elétrica! E o pior: tem
quem goste!
A música, confesso, me persegue. No passado, tive
também um professor de piano como vizinho de apartamento. Ele tocava
magnificamente. Mas os alunos, que sofrimento! Na época, se ouvia dó, ré, mi,
fá... Os pelos dos meus braços se eriçavam!
Pior é quando se tem um vizinho festeiro. Toda
semana, um terror: som alto, pés se arrastando, gritos na varanda! Sim, eu sei
que há uma lei. Mas a do silêncio não pegou. E, mesmo diante da lei, há
exceções. Nos últimos meses, um prédio da Avenida Angélica foi reformado de
segunda a segunda. Inclusive de madrugada. Fica atrás do meu apartamento.
Reclamei. Disseram que tinham alvará. Imagino que sim, por ser um hospital.
Agora o barulho parou. Suspeito que alguns moradores da região serão seus
primeiros clientes.
Consertos ocorrem durante a madrugada para não
perturbar o trânsito. Mas é duro dormir acalentado por uma britadeira!
Já quis mudar para o campo. Morar numa casa a
quilômetros de qualquer outra, longe da poluição sonora. Fiz uma experiência.
Passei a noite ouvindo rãs coaxando e pios de coruja! Quando fechei os olhos, o
galo cantou. Entre um galo e uma britadeira, não sei, não... Mesmo porque
depois vem vaca mugindo, cão latindo por qualquer motivo... Desisti da ideia!
Socorro! Todo mundo faz barulho o tempo todo. E
quem não gosta de barulho é que acaba sendo esquisito!
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