MAURO MOTA
RECIFE-PE = 1911 / 1984
Pente Fino
Escrevi sobre a
invasão das casas pelos percevejos e eis que os jornais referem-se aos piolhos
que estariam reaparecendo no interior do Nordeste.
Os piolhos
recordam os pentões comentados pelo padre Lopes Gama e os pentões o seu oposto:
os pentes-finos, com a sua função específica; "tirar piolho". Sem
qualquer exagero, eis um hábito procedente dos começos da colonização e somente
liquidado nas cidades pelos modernos inseticidas. Das casas-grandes de engenho
aos sobrados urbanos do Recife, exercia-se com naturalidade, na rotina
doméstica. Jovens escravas, depois as empregadinhas de dedos leves e ágeis de
tato e faro, especializaram-se na caça desse parasita, às vezes cúmplices de um
sensualismo inconsciente ou voluntário.
O piolho —
façam-lhe essa justiça — alheava-se a qualquer distinção de classe ou grupo
etário. Para usar-se uma expressão atual, pode-se dizer que ele estava "em
todas", isto é, em todas as cabeças. Queria o seu habitat: os cabelos.
Onde os houvesse — salvam-se os carecas — aí instalava-se com o poder de
propagação local e migratório. Pulava de uma cabeça para outra, ultrapassando
em rapidez a medida popular de tempo mínimo: num abrir e fechar de olhos. E
logo fazia a nova colônia e o trampolim para outras.
Nas escolas,
povoava as cabeças das crianças em tempo recorde bem superior ao das lições das
professoras. Daí muita cabeça de menino ficando azul da navalha do barbeiro de
colégio ou à domicílio para livrá-la da fauna cocefrenta, das lêndeas
transitando nos fios de cabelos à maneira de acrobatas nas cordas de
miniaturistas japoneses.
— Venha me
pentear — lembre-se a Negra Fulô, de Jorge de Lima — e, para o atendimento
dessa ordem, os pentes dos anúncios, inclusive o pente-fino, representam
acessórios. As mãos das mulatinhas, em tantos casos, descendo ao pescoço e ao
busto, interessavam mais com as suas carícias. Mesmos cabeças limpas reclamavam
o fingimento da catação de piolhos: o cafuné identificado entre vários povos.
Roger Bastide considera-o substituto dos divertimentos lésbicos. E Câmara
Cascudo, citando o autor da Psicanálise do cafuné, recorda a oitava
popular.
Eu adoro uma iaiá
Que quando está de maré
Me chama muito em segredo
Pra me dar seu cafuné
Abre o cabelo de banda
Dá-lhe quatro cafuné,
Raiva de home não dura
Prá mansidão de muié.
Que quando está de maré
Me chama muito em segredo
Pra me dar seu cafuné
Abre o cabelo de banda
Dá-lhe quatro cafuné,
Raiva de home não dura
Prá mansidão de muié.
(Mota,
Mauro. "Pente fino". Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 16
de janeiro de 1972)
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