MÁRIO SETTE
RECIFE-PE = 1886-1950
Folhas De Canela
—
Vamos ter casamento na rua!
Ignorassem
os moradores esse acontecimento até o dia de sua realização, por modéstia ou
esquisitice dos noivos, logo tudo se revelaria a um mero, mas indispensável
sinal: as folhas de canela.
Muito
cedo, entravam sacos de estopa ventrudos e dali a pouco, não somente pelas
peças da casa, pelo corredor de entrada e sobrando pela calçada, as verdes
folhagens das caneleiras se espraiavam, num imenso e farfalhante tapete.
E
essas folhas serviam de arauto à vizinhança, ao bairro inteiro, em breve. As conversas iam
pontuando os pormenores:
—
Então, a Carminha, de dona Balbina, casa-se hoje!
—
E não era sem tempo... Um noivado que estava encroando... De ano para ano se
prometia e nada.
—
Dizem que ele não queria ficar morando com a sogra. Juntou dinheiro até alugar
casa sua.
—
Quem casa quer casa... É uma grande verdade. Cada um tem seu gênio e, depois,
chegam as desarmonias...
—
Com aquela dona Balbina só mesmo o marido se agüenta, porque é um
maria-vai-com-as-outras...
—
Mas, é certo mesmo que o casamento é hoje?
—
Oxente! Eu não vi as folhas de canela!
Desapareciam
quaisquer dúvidas. O vestido de noiva, a capela de flores de laranjeiras, o
buquê de cravos, as alianças de ouro, a casaca do noivo, seriam evidências
outras, mas posteriores. As folhas de canela afirmavam-se com antecipação de
todos os demais vestígios e passos das cerimônias.
Pisadas,
iam-se impondo pela visão e pelo olfato. Espalhavam seu cheiro característico.
Cheiro de casamento. Aroma de festa. Iam, também, derramá-las pela escadaria da
igreja, pela nave, pelos degraus do altar. E, se por ventura, a casa do
casamento ficava próxima ao templo, havia como que uma tapeçaria dessas
folhagens ligando os dois tetos.
À
hora do desfile as folhas estavam sob os passos dos noivos e dos convivas. O
rumor do atrito era como um motivo sonoro desse belo cortejo de trajes de gala:
as impecáveis casacas dos cavalheiros, claques e luvas às mãos, peitilhos
gomados, botinas de verniz; os vestidos de seda rangedora, os penachos e
diademas, os leques de plumas das damas.
Folhas
de canela... É bem certo que elas lastravam os soalhos para outras
festividades. Religiosas ou profanas. Tanto uma noite de novena como um baile
de carnaval. Simbolizavam o júbilo e alvoroçavam os espíritos para as expansões
festivas.
Nos
casamentos, entretanto, encontravam seu mais alto simbolismo. Perfume de folhas
de canelas lembrava noivos. Havia moças que grudavam uma dessas folhas na
esperança de um sortilégio de seu casamento próximo, numa virtude de simpatia
semelhante à dos cravos da noiva. Pegava...
A
velha usança foi-se. As folhas de canela acabarão raras como as do pau-brasil,
que tão poucos conhecem neste país chamado Brasil e onde se cultivam árvores da
Índia ou da China...
Em
verdade, para que mais folhas de canela nos casamentos... se os noivos se
despedem à porta da igreja?...
(Sette, Mário. Maxambombas
e maracatus. 3ª ed. Rio de Janeiro, Casa do Estudante Brasileiro, 1958,
p.211-213)
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