R U B E M B R A G A
CACHOEIRO DO ITAPEMIRIM-ES, 1913-1990
O Boi Velho
Uma das
coisas mais ingênuas e comoventes da vida do Barão do Rio Branco era o seu
sonho de fazendeiro. Homem nascido e vivido em cidade, traça de bibliotecas,
urbano até a medula, cada vez que uma coisa o aborrecia em meio às batalhas
diplomáticas, seu desabafo era o mesmo, em carta a algum amigo: “Penso em
largar tudo, ir para São Paulo, comprar uma fazenda de café, me meter lá para o
resto da vida…”
Nunca foi,
naturalmente; mas viveu muito à custa desse sonho infantil, que era um consolo
permanente.
Por que
não confessar que agora mesmo, neste último carnaval, visitando a fazenda de um
amigo, eu, pela décima vez, também não me deixei sonhar o mesmo sonho? Com
fazenda não, isso não sonhei; os pobres têm o sonho curto; sonhei com o mesmo
que sonham todos os oficiais administrativos, todos os pilotos de aviação
comercial, todos os desenhistas de publicidade, todos os bichos urbanos mais ou
menos pobres, mais ou menos remediados: pegar um dinheirinho, comprar um sítio
jeitoso, ir melhorando a casa e a lavoura, vai ver que no primeiro ano dava
para se pagar, depois quem sabe daria uma renda modesta, mas suficiente para
uma pessoa viver sossegada; com o tempo comprar, talvez mais uns alqueires…
Meu pai
foi durante algum tempo sitiante, minha mãe era filha de fazendeiro, meus tios
eram todos da lavoura… Mas que brasileiro não é mais ou menos assim, não guarda
alguma coisa da roça e não tem a melancólica fantasia, de vez em quando, de voltar?
Aqui estou
eu, falso fazendeiro, montado no meu cavalo, a olhar minhas terras. Chego até o
curral, um camarada está ordenhando as vacas. Suas mãos hábeis fazem cruzar-se
dois jatos finos de leite que se perdem na espuma alva do balde. Parece tão
fácil, sei que não é. Deixo-me ficar entre os mugidos e o cheiro de estrume,
assisto à primeira aula de um boizinho que estão experimentando para ver se é
bom para carro. Seu professor não é o carreiro que vai tocando as juntas nem o
pretinho candeeiro que vai na frente com a vara: é um outro boi, da guia, que
suporta com paciência suas más-criações, obrigando-o a levantar-se quando se
deita de pirraça, arrasta-o quando é preciso, não deixa que ele desgarre,
ensina-lhe ordem e paciência.
No coice
há um boi amarelo que me parece mais bonito que os outros. O carreiro explica
que aquele é seu melhor boi de carro, mas tem inimizade àquele zebu branco
vindo de Montes Claros, seu companheiro de canga; implica aliás com todos esses
bois brancos vindos de Montes Claros. O caboclo sabe o nome, o sestro, as
simpatias e os problemas de cada boi, sabe agradar a cada um com uma palavra
especial de carinho, sabe ameaçar um teimoso – “Mando te vender para o corte,
desgraçado!” – com seriedade e segurança.
Ah, não
dou para fazendeiro; sinto-me um boi velho, qualquer dia um novo diretor de
revista acha que já vou arrastando devagar demais o carro de boi de minha
crônica, imagina se minhas arrobas já não valem mais que meu serviço, manda-me
vender para o corte…
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