LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO
ALEGRE-RS = 1936
Casamento
O tão discutido casamento homossexual não deixa de
ser uma sequência natural da longa e estranha história de uma convenção, a
união solene entre duas pessoas, que começou no Éden. A Bíblia não esclarece se
Adão e Eva chegaram a se casar, formalmente. Deve ter havido algum tipo de
solenidade. Na ausência de um padre, o próprio Criador, na qualidade de maior
autoridade presente, deve ter oficiado a cerimônia. No momento em que Deus
perguntou se alguém no Paraíso sabia de alguma razão para que aquele casamento
não se realizasse, ninguém se manifestou, mesmo porque não havia mais ninguém.
A cerimônia foi simples e rápida apesar de alguns problemas – Adão não tinha
onde carregar as alianças, por exemplo – e Adão e Eva ficaram casados por 930
anos. E isso que na época ainda não existiam os antibióticos.
Mais tarde, instituiu-se o dote. Ou seja, as
mulheres, como caixas de cereais, passaram a vir com brindes. O pai da noiva
oferecia, digamos, dez cântaros de azeite e dois camelos ao noivo e ainda
dizia:
- Pode examinar os dentes.
- Deixa ver…
- Da noiva não, dos camelos!
Houve uma época em que os pais se encarregavam de
casar os filhos sem que eles soubessem. Muitas vezes, depois da cerimônia
nupcial, os noivos saíam, ofegantes, para a lua de mel, entravam no quarto do
hotel, tiravam as roupas, aproximavam-se um do outro – e apertavam-se as mãos.
- Prazer.
- Prazer.
- Você é daqui mesmo?
Eram comuns os casamentos por conveniência, pobres
moças obrigadas a se sujeitar a velhos com gota e mau hálito para salvar uma
fortuna familiar, um nome ou um reino. Sonhando, sempre, com um Príncipe
Encantado que as arrebataria. O sonho era sempre com um Príncipe Encantado.
Nenhuma sonhava com um Cavalariço ou com um Caixeiro Viajante Encantado. Mais
tarde veio a era do Bom Partido. As moças não eram mais negociadas,
grosseiramente, com maridos que podiam garantir seu futuro. Eram condicionadas
a escolher o Bom Partido. Podiam namorar quem quisessem, mas na hora de casar…
- Vou me casar com o Cascão.
- O quê?!
- Nós nos amamos desde pequenos.
- O que que o Cascão faz?
- Jornalismo.
- Argk!
A era do Bom Partido acabou quando a mulher ganhou
sua independência. Paradoxalmente, foi só quando abandonou a velha ideia
romântica do ser frágil e sonhador que a mulher pôde realizar o ideal romântico
do casamento por amor, inclusive com o Cascão. Só havendo o risco de o Cascão
preferir casar com o Rogério.
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