segunda-feira, 29 de julho de 2013

CONTO

ELISA PALATNIK
RIO DE JANEIRO-RJ  =  1962

As Horas


Tadeu guardava o tempo para um dia quando precisasse. Juntava todas as horas, minutos e segundos disponíveis e embrulhava-os em pequenos sacos plásticos com suas devidas especificações: horas de descanso, minutos de folga do trabalho, feriados. Assim, se acabava o asseio diário mais cedo, nada fazia com o tempo que sobrava, conservando-o intacto, novo, sem uso, escrevendo em sua embalagem a procedência. Depois de anos de controle, quando evitava qualquer atividade que não fosse o absolutamente necessário, ficando em estado de latência profunda a cada hora vaga, tinha acumulado duas mil, trezentas e vinte horas e dois segundos. Isto sem contar o tempo de um sujeito chamado Ubaldo, que lhe vendeu trezentas horas sem uso.

Ubaldo era um homem que não trabalhava, não tinha família, e sua única paixão era a música, e seus instrumentos de sopro. Tadeu descobriu mais tarde que duas destas trezentas horas estavam gastas e teriam sido usadas para a limpeza de uma gaita de foles — resolveu a partir de então não comprar nem um segundo a mais de quem quer que fosse. Ubaldo, tendo tanto tempo de sobra, abriu uma loja de aluguel.

Ubaldo colocou à disposição as horas do seu dia para aqueles que precisavam mais do que as vinte e quatro habituais. Alugava para as irmãs Contii — xifópagas —, que tinham que dividir seu tempo, ficando apenas 12 horas para cada uma; para o senhor Aumar, que estudava as estrelas e pedia somente as horas noturnas para suas observações. Chegou a alugar para uma noiva desesperada já no altar, à espera do noivo que não aparecia. E finalmente alugava para José Josias, um homem que só tinha 18 horas por dia — que já havia nascido assim, com seis horas a menos do que o normal. Em função desta deficiência congênita, o rapaz era obrigado a fazer tudo sempre ligeiro, para compensar o pouco tempo que lhe cabia.

José Josias tornou-se cliente fixo de Ubaldo, mas quando soube da existência de Tadeu e suas milhares de horas guardadas e novas, manifestou imensa vontade de comprá-las. Preocupado com a insistência do homem, que se mostrara amargo e violento, Tadeu usou 815 minutos para pensar o que fazer. Como precaução resolveu esconder seu tempo, espalhando-o pela casa, em todos os cantos, buracos e frestas. Inclusive dentro do baú de seu bisavô, onde encontrou o tão procurado diário — diário que dizia esconder, em algum lugar do porão, preciosos segundos do século XIX. Só então recebeu José Josias. Inventou uma boa história e convenceu-o de que não podia desfazer-se de nenhum minuto, de que sua causa era nobre; que um dia doaria todas aquelas horas para asilos, instituições de caridade, hospitais. Sensibilizado, José Josias (que embora amargurado não era má pessoa) ofereceu a Tadeu vinte minutos como contribuição. Obrigou toda família a fazer o mesmo e espalhou a história por toda parte. Pessoas humildes e simplórias, também iludidas, doaram caixotes e caixotes cheios de horas, minutos, segundos, décimos de segundo. Tadeu começou a receber homenagens, a adquirir fama e prestígio. Mais tarde, considerado um benfeitor, foi eleito chefe de governo.

A cidade nunca se arrependeu tanto. Tudo porque Tadeu, mesmo sendo um péssimo governante, com suas milhares de horas guardadas, conseguiu ficar 22 anos no poder.


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