FERNANDO SABINO
BELO HORIZONTE-MG =
1923-2004
O Revólver Do Senador
O Senador
ainda estava na cama, lendo calmamente os jornais, e eram dez horas da manhã.
Súbito ouve a voz do netinho de quatro anos de idade por detrás da folha
aberta, bem junto de sua cabeça:
– Vovô, eu
vou te matar.
Abaixou o
jornal e viu, aterrorizado, que o menino empunhava com as duas mãos o revólver
apanhado na gaveta da cabeceira. Sempre tivera a arma ali ao seu alcance, para
qualquer eventualidade, carregada e com uma bala na agulha. Nunca essa
eventualidade se dera na longa seqüência de riscos e tropeços que a política
lhe proporcionara. No entanto, ali estava, agora, apanhado de surpresa, sob a
mira de um revólver. O menino começou a rir de sua cara de espanto.
– Eu vou te
matar – repetiu, dedinho já no gatilho.
O menor
gesto precipitado e a arma dispararia.
Pensou em
estender o braço e ao menos afastar o cano de sua testa, que já começava a
porejar suor. Mas temeu o susto da criança, o dedo se contraindo no gatilho…
Tentou falar e de seus lábios saíram apenas sons roufenhos e mal articulados.
– Não me
mata não – gaguejou, afinal: – você é tão bonzinho…
– Pum!
Pum! – e o demônio do menino sempre a rir, só fez dar um passo para trás; que o
colocou fora de seu alcance. Agora estava perdido.
– Cuidado,
tem bala… – deixou escapar, e a voz de novo lhe faltou. Toda uma vida que
terminava ali, estupidamente nas mãos de uma criança – de que adiantara? Tudo
aflição de espírito e esforço vão. Se alguém entrasse no quarto de repente, a
mãe, a avó do menino… Que é isso, menino! Você mata seu avô! Com o susto… Senti
o pijama já empapado de suor. Era preciso fazer alguma coisa, terminar logo com
aquela agonia. Estendeu mansamente o braço trêmulo:
– Me dá
isso aqui…
– Mãos ao
alto! – berrou o menino, ameaçador, dando passo para trás, e as mãos pequeninas
se firmaram ainda mais no cabo da arma. O Senador não teve outra coisa a fazer
senão obedecer.
E assim se
compôs o quadro grotesco: o velho com os braços erguidos, o guri a dominá-lo
com o revólver. De repente, porém, o telefone tocou.
– Atende
aí – pediu o Senador, num sopro.
Estava
salvo: o menino tomou do fone, descobrindo brinquedo novo, e abaixou o
revólver. O Senador aproveitou a trégua para apoderar-se da arma. Então pôs-se
a tremer, descontrolado, enquanto retirava as balas com os dedos aflitos. O
menino começou a chorar:
– Me dá!
Me dá!
A mulher
do senador vinha entrando:
– O que
foi que você fez com ele? Está com uma cara esquisita… Que aconteceu?
– Acabo de
nascer de novo – explicou simplesmente.
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