CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
ITABIRA-MG =
1902-1987
No Restaurante
-
Quero lasanha.
Aquele
anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia
- entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa,
não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
O
pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu
para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores
pais.
-
Meu bem, venha cá.
-
Quero lasanha.
-
Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
-
Não, já escolhi. Lasanha.
Que
parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em
sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
-
Vou querer lasanha.
-
Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
-
Gosto, mas quero lasanha.
-
Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de
camarão. Tá?
-
Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
-
Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
-
Você come camarão e eu como lasanha.
O
garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
-
Quero uma lasanha.
O pai
corrigiu:
-
Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A
coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é
proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois
os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço,
ela atacou:
-
Moço, tem lasanha?
-
Perfeitamente, senhorita.
O
pai, no contra-ataque:
-
O senhor providenciou a fritada?
-
Já, sim, doutor.
-
De camarões bem grandes?
-
Daqueles legais, doutor.
-
Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?
-
Uma lasanha.
-
Traz um suco de laranja pra ela.
Com
o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para
surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos,
não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa
manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
-
Estava uma coisa, heim? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado.
-
Sábado que vem, a gente repete... Combinado?
-
Agora a lasanha, não é, papai?
-
Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
-
Eu e você, tá?
-
Meu amor, eu...
-
Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
O
pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha,
bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A
garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com
força total, o poder ultra-jovem.
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