MACHADO DE ASSIS
RIO DE JANEIRO-RJ = 1839-1908
Três Tesouros Perdidos
Cumprimentou-o polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-lhe:
— Senhor, eu sou F…, marido da senhora Dona E…
— Estimo muito conhecê-lo, responde o sr. X…; mas não tenho a honra de conhecer a senhora Dona E…
— Não a conhece! Não a conhece! … quer juntar a zombaria à infâmia?
— Senhor!…
E o sr. X… deu um passo para ele.
— Alto lá!
O sr. F… , tirando do bolso uma pistola, continuou:
— Ou o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão!
— Mas, senhor, disse o sr. X…, a quem a eloqüência do sr. F… tinha produzido um certo efeito, que motivo tem o senhor?…
— Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha mulher?
— A corte à sua mulher! não compreendo!
— Não compreende! oh! não me faça perder a estribeira.
— Creio que se engana…
— Enganar-me! É boa! … mas eu o vi… sair duas vezes de minha casa…
— Sua casa!
— No Andaraí… por uma porta secreta… Vamos! ou…
— Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo…
— Não; não; é o senhor mesmo… como escapar-me este ar de tolo que ressalta de toda a sua cara? Vamos, ou deixar a cidade, ou morrer… Escolha!
Era um dilema. O sr. X… compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola. Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.
Surgiu, porém, uma objeção.
— Mas, senhor, disse ele, os meus recursos…
— Os seus recursos! Ah! tudo previ… descanse… eu sou um marido previdente.
E tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:
— Aqui tem dois contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta imediatamente. Para onde vai?
— Para Minas.
— Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento… Perdôo-lhe, mas não volte a esta corte… Boa viagem!
Dizendo isto, o sr. F… desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que desapareceu em uma nuvem de poeira.
O sr. X… ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a realização de um dos seus mais caros sonhos. Jantou tranqüilamente, e daí a uma hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa apenas um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu destino.
No dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o sr. F… para a sua chácara de Andaraí, pois tinha passado a noite fora.
Entrou, penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:
"Meu caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P… Vou para a Europa. Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. — Tua E…"
Desesperado, fora de si, o sr. F… lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido às oito horas.
— Era P… que eu acreditava meu amigo… Ah! maldição! Ao menos não percamos os dois contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do sr. X…, subiu; apareceu o moleque.
— Teu senhor?
— Partiu para Minas.
O sr. F… desmaiou.
Quando deu acordo de si estava louco… louco varrido!
Hoje, quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:
— Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda carteira cheia de encantadoras notas… que bem podiam aquecer-me as algibeiras!…
Neste último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.
Conto originalmente publicado em A Marmota (1858)
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