sábado, 25 de maio de 2013

CONTO = Luís Fernando Veríssimo


LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO ALEGRE-RS  =  1936


Trisexual

 

As amigas se contavam tudo, tudo, do mais banal ao mais íntimo. Eram amigas desde pequenas e não passavam um dia sem se falar. Quando não se encontravam, se telefonavam. Cada uma fazia um relatório do seu dia e do seu estado, e não escapava uma ida ao super, um corrimento, uma indagação filosófica ou uma fofoca nova. Deus e todo o mundo, literalmente. Jacine, Marília e Branca. Branca era a mais nova, mas já casara e já enviuvara, o que despertara um certo pânico protetor nas outras duas. Tudo acontecia rápido demais para a Branquinha, que precisava ser protegida da sua vida precipitada, da sua vida vertiginosa. Por isso Janice telefonou para Marília quando soube que a Branquinha estava namorando um homem chamado Futre, Amado Futre, Rosimar Amado Futre, e que, como se não bastasse isto, ele declarara à Branquinha que era trisexual. – Marília de Deus – disse a Janice – o que é trisexual?!

– Bom… Bi é quando transa com os dois sexos.

– Isso eu sei.

– Tri deve ser quando transa com dois sexos e com bicho. Janice teve uma visão da Branquinha na cama com Rosimar Amado Futre, o porteiro do prédio e uma cabra. Ou um cabrito?

- Bichos dos dois sexos?

– E eu vou saber?! – gritou a Marília. Era preciso proteger a Branquinha. Mas do que, exatamente?

– O que é trisexual? – perguntou a Janice ao seu marido Rubião.

– Ahn? – disse Rubião, acordando. Rubião dominara o truque de segurar um jornal na frente do rosto e dormir sem que a mulher notasse, Janice não entendia como um homem que lia tanto jornal podia ser tão mal informado.

– O que é trisexual?

– É… é… – Volta pro teu jornal, Rubião. Apesar de ser a mais moça das três, Branquinha fora a primeira a perder a virgindade. Já fizera tudo que pode ser feito sobre uma cama. Ou, no caso dela, sobre uma cama, sobre uma mesa de cozinha, jantar ou ping-pong, sobre um estrado, na praia, no meio do campo, uma vez até no último banco de um ônibus intermunicipal – e sempre contando tudo, tudo, às outras duas. Que também contavam tudo que lhes acontecia, só não tinha tanto para contar. A Janice contava sua vida com o Rubião, que só transava nos sábados e vésperas de feriado. A Marília, que ainda não se casara e namorava um dentista chamado João, inventava, para não pensarem que ela também não tinha uma vida sexual. Mas nem as invenções mais criativas da Marília se igualavam às experiência da Branquinha. E agora um trisexual chamado Amado Futre! Branquinha talvez estivesse indo longe demais. Era preciso proteger a Branquinha. Mas apesar de vários avisos (“Olhe lá, hein Branquinha?”) a Branquinha concordou em passar um fim de semana na serra com o Rosimar Amado Futre. E na volta, não telefonou para contar tudo, como ficara combinado. Teria lhe acontecido alguma coisa? Ela estaria num hospital, com um deslocamento, depois do que o Futre lhe fizera? Mordida por algum animal, nos arroubos da paixão? Janice e Marília não se contiveram, invadiram o apartamento de Branquinha e exigiram um relato completo. Mas cada pergunta sobre o fim de semana, Branquinha respondia “Nem te conto”. E não contou mesmo. Depois da experiência com Rosimar Amado Futre, estava tão na frente das outras que não tinham mais o que conversar. Não tinham mais pontos de referência, era isso. Marília perguntou ao namorado João, o dentista, o que era trisexual.

– Tri?!

– É. Tri em vez de bi.

– Bi?! – Esquece, João.

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