LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
PORTO
ALEGRE-RS = 1936
Trisexual
As amigas se contavam tudo,
tudo, do mais banal ao mais íntimo. Eram amigas desde pequenas e não passavam
um dia sem se falar. Quando não se encontravam, se telefonavam. Cada uma fazia
um relatório do seu dia e do seu estado, e não escapava uma ida ao super, um
corrimento, uma indagação filosófica ou uma fofoca nova. Deus e todo o mundo,
literalmente. Jacine, Marília e Branca. Branca era a mais nova, mas já casara e
já enviuvara, o que despertara um certo pânico protetor nas outras duas. Tudo
acontecia rápido demais para a Branquinha, que precisava ser protegida da sua
vida precipitada, da sua vida vertiginosa. Por isso Janice telefonou para
Marília quando soube que a Branquinha estava namorando um homem chamado Futre,
Amado Futre, Rosimar Amado Futre, e que, como se não bastasse isto, ele
declarara à Branquinha que era trisexual. – Marília de Deus – disse a Janice –
o que é trisexual?!
– Bom… Bi é quando transa
com os dois sexos.
– Isso eu sei.
– Tri deve ser quando
transa com dois sexos e com bicho. Janice teve uma visão da Branquinha na cama
com Rosimar Amado Futre, o porteiro do prédio e uma cabra. Ou um cabrito?
- Bichos dos dois sexos?
– E eu vou saber?! – gritou
a Marília. Era preciso proteger a Branquinha. Mas do que, exatamente?
– O que é trisexual? –
perguntou a Janice ao seu marido Rubião.
– Ahn? – disse Rubião,
acordando. Rubião dominara o truque de segurar um jornal na frente do rosto e
dormir sem que a mulher notasse, Janice não entendia como um homem que lia
tanto jornal podia ser tão mal informado.
– O que é trisexual?
– É… é… – Volta pro teu
jornal, Rubião. Apesar de ser a mais moça das três, Branquinha fora a primeira
a perder a virgindade. Já fizera tudo que pode ser feito sobre uma cama. Ou, no
caso dela, sobre uma cama, sobre uma mesa de cozinha, jantar ou ping-pong,
sobre um estrado, na praia, no meio do campo, uma vez até no último banco de um
ônibus intermunicipal – e sempre contando tudo, tudo, às outras duas. Que
também contavam tudo que lhes acontecia, só não tinha tanto para contar. A
Janice contava sua vida com o Rubião, que só transava nos sábados e vésperas de
feriado. A Marília, que ainda não se casara e namorava um dentista chamado
João, inventava, para não pensarem que ela também não tinha uma vida sexual.
Mas nem as invenções mais criativas da Marília se igualavam às experiência da
Branquinha. E agora um trisexual chamado Amado Futre! Branquinha talvez
estivesse indo longe demais. Era preciso proteger a Branquinha. Mas apesar de
vários avisos (“Olhe lá, hein Branquinha?”) a Branquinha concordou em passar um
fim de semana na serra com o Rosimar Amado Futre. E na volta, não telefonou
para contar tudo, como ficara combinado. Teria lhe acontecido alguma coisa? Ela
estaria num hospital, com um deslocamento, depois do que o Futre lhe fizera?
Mordida por algum animal, nos arroubos da paixão? Janice e Marília não se
contiveram, invadiram o apartamento de Branquinha e exigiram um relato
completo. Mas cada pergunta sobre o fim de semana, Branquinha respondia “Nem te
conto”. E não contou mesmo. Depois da experiência com Rosimar Amado Futre,
estava tão na frente das outras que não tinham mais o que conversar. Não tinham
mais pontos de referência, era isso. Marília perguntou ao namorado João, o
dentista, o que era trisexual.
– Tri?!
– É. Tri em vez de bi.
– Bi?! – Esquece, João.
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