SÉRGIO FARACO
ALEGRETE-RS = 1940
Guerras Greco-Pérsicas
Essa Cláudia de quem falo, por causa dos gregos, era repetente, e a mãe dela vivia se queixando para a minha: "Ai, a Cláudia". E não era só a mãe. Professores, colegas, bastava alguém mencioná-la e todos suspiravam: "Ai, a Cláudia". Porque ela era muito esquecida, tonta, e se não conseguia guardar nem os nomes das cidades gregas, como poderia lembrar-se de algo como "Viajante, vai dizer em Esparta que morremos para cumprir suas leis"?
Aproximando-se
os exames de fim de ano, aumentava o desespero da mãe dela. "Dona Glória,
eu não sobrevivo", ela gemia, debruçada na cerquinha de taquaras. Tanto se
lamentou que minha mãe, solidária, ofereceu o filho.
— Quem
sabe ele ajuda.
Dona
Cotinha arregalou os olhos.
— Ele?
Aquele ali?
Duvidosa,
franzia a testa e o nariz. A mãe riu, ai, vizinha, a senhora é de morte, e foi
buscar meu boletim. Veja só, agosto dez, setembro dez, outubro nove, a
História, como se diz, ele já pealou de volta.
Dona
Cotinha me olhava, admirada.
— Que é
que ele tá fazendo ali?
—
Operando um sapo.
—
Virgem!
No dia
seguinte começamos a lutar com os gregos. No fundo do pátio havia um taquaral,
era um lugar sombroso, quieto, nós nos sentávamos no chão com os livros no
colo, à nossa volta os outros materiais do estudo: tiras de papel, goma-arábica
e linha.
E toca a
fazer rolinho.
Um país
montanhoso, a Grécia, precioso o seu litoral cheio de enseadas, cabos, ilhas.
Um país romântico. Páris fugindo com Helena, os amores de Ares e Afrodite, a
deusa Tétis entregando-se a um mortal, e um pequeno sacrifício, um intervalo,
afinal, para coisas horríveis como Hilotas e Periecos.
Ainda na
primeira semana descobri que Cláudia usava sutiã e raspava as axilas. Uma
surpresa atrás da outra, pois descobri também, no susto, como Cláudia era
bonita. Na véspera do exame vieram as guerras greco-pérsicas. Tínhamos dois
rolinhos prontos e o resto da matéria ia nas pernas dela.
— Não
pode tomar banho — avisei.
Com pena
e nanquim, ora escrevia ela, ora escrevia eu, e eu, a Pérsia desvairada, eu
tomava a praia Maratona, suas dunas morenas, seus pastos dourados, mas tomava e
a perdia em avanços e recuos de incerta glória, porque à frente se me opunham
dez mil atenienses e os mil voluntários de Platéia, ciosos de seu passado
invicto. E se intentava um caminho inverso, pobre Xerxes, lá me defrontava com
Leônidas e seus trezentos espartanos loucos. Um impasse e Cláudia me olhou,
vermelha.
— Chega,
esse ponto pode não cair.
— E se
cair...
Comecei
a escrever: "Ao norte da Grécia, entre os montes..." Ela encolheu-se,
levantou-se e foi embora.
Cláudia
passou no exame, mas não apareceu para contar. Eu o soube por Dona Cotinha, que
fez um alvoroço no quintal. "Fenômeno", gritava, e ao agradecer,
exultante, a colaboração da vizinha, lascou:
— Dona
Glória, a senhora é uma mulher de sorte. Uma boa casa, um marido que não é
putanheiro e um filhote que não se arrenega, chiquitín pero cumplidor.
Minha
mãe sorriu, modesta. Perguntou pela Cláudia, está feliz a pobrezinha? Imagine,
Dona Glória, está no céu, mas... E confessou que Cláudia andava quieta,
arredia, decerto era fraqueza pelo esforço feito.
— Que
nada — disse a mãe. — Ela já...?
— Já.
— Então
é isso. Dá anemia.
No outro
dia, finalmente, Cláudia veio ao pátio.
— A
tinta não saiu — e olhava para o chão.
Perguntei
se tinha esfregado. Tinha. Então tem que ser com sabão especial, eu disse, de
mecânico.
— Na
oficina eu não vou.
Achei
graça, não é isso, é um sabão cor-de-rosa que se compra no armazém. Ela riu
também. Como era bonita, a Cláudia.
À
tardinha fui encontrá-la no taquaral, levando balde, esponja e o sabão. Ela
sentou-se, ergueu a saia. Eu molhava, ensaboava, esfregava, molhava de novo,
ai, a Cláudia, quase no fim, ofegando, ela apertou minha mão com as pernas.
— Falta
muito?
— Só as
Termópilas.
— Então
limpa — murmurou, fechando os olhos.
Ao norte
da Grécia, entre os montes, havia um desfiladeiro que era preciso atravessar
para consumar a invasão. Era uma passagem muito estreita, quase inacessível,
mas o dedo de um traidor guiou o inimigo por um caminho secreto da montanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário