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AS BARCAÇAS
DE CAPIM
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Era na época mais agitada da abolição da
escravatura.
Todos os brasileiros, e os pernambucanos por
excelência, se envergonhavam da existência do cativeiro em seu país,
procurando cada um prestar seus esforços em favor da grande obra de
libertação desses pobres negros, tão dóceis, tão laboriosos, tão bons!
Uns abolicionistas faziam discursos na praça
pública, outros escreviam nos jornais, muitos davam dinheiro para ajudar na
alforria de alguns escravos ou facilitavam a fuga de outros.
Os que fugiam, em regra, embarcavam às escondidas
para o Ceará, que foi a primeira província do Brasil a dar liberdade aos
escravos.
E a bela cruzada tomava quase um aspecto de
religião. Somente os interessados defendiam a escravidão.
No Recife, entre tantas outras, havia um par de
almas generosas e estóicas, devotado ao extremo a essa humana causa; era o
doutor José Mariano, político muito querido do povo, e sua esposa dona
Olegarinha.
Residiam em um sobrado no Poço da Panela, à margem
do Capibaribe, e, ali, se refugiavam os escravos evadidos dos engenhos, das
fazendas, dos sítios, certos de encontrar segurança, amparo e carinho.
Quase não havia noite em que, sorrateiramente, um
pobre cativo não chegasse ao Poço da Panela, por vezes maltratado, o corpo sangrando
de castigos, as mãos inchadas de bolos, os dentes arrancados à força; uma
lástima, uma tristeza!
Dona Olegarinha, ela própria, tratava os ferimentos,
consolava os infortunados, dava-lhes alimentos e vestuários.
José Mariano, por seu lado, andava pregando nas ruas
em favor da abolição e a palavra vibrante ia fazendo adeptos.
Por fim, estando o palacete do Poço da Panela muito
cheio de refugiados, José Mariano e sua esposa resolveram embarcar alguns dos
seus protegidos para o Ceará.
Todavia, mostrava-se bastante arriscada essa viagem.
A polícia, a mando do governo, vivia na beira do cais, espreitando as
embarcações, no intuito de aprisionar os escravos que fugissem, missão essa
que o exército recusara quando o quiseram disso encarregar.
José Mariano, porém, era astucioso. Conseguiu a
colaboração dos barcaceiros, e, assim, as barcaças subiam o Capibaribe até o
Poço, a pretexto de carregar capim. Ali, à noitinha, os escravos entravam nas
embarcações, escondiam-se nos porões, e por cima deles estendiam os feixes de
capim.
De madrugada as barcaças desciam o rio. Passavam
diante dos soldados, sem causar desconfianças, serenamente.
E mal dobravam a boca da barra abrindo todas as suas
velas brancas, cortando airosamente o mar, lá se iam para longe.
(Sette, Mário. Terra pernambucana) |
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