DINAH SILVEIRA DE QUEIROZ
São Paulo-SP
= 1917-1982
História De
Mineiro
Estou sabendo de uma historinha que bem valia um conto e feito por quem a narrou, o contista que anda arrebatando todos os prêmios dos concursos em que se inscreve: Edson Guedes de Morais. É um caso de mineiro. Trata de gente pobre e de filho que veio trabalhar no Rio, prosperou e um dia mandou uma carta ao pai:
Meu pai: com a graça de
Deus, posso dizer que já tenho economia suficiente para pretender realizar
qualquer sonho seu. Minha maior felicidade estará em poder propor: que possa
fazer para alegrá-lo? O que mais desejaria na vida? Tenho pensado muito em sua
luta de sacrificado e não me lembro de tê-lo ouvido falar sobre qualquer
aspiração. Não se acanhe, papai, mande dizer se o senhor quiser alguma
coisa."
Lá da cidadezinha das
Minas Gerais veio uma carta. Daquele homem religioso, devoto de Nossa Senhora
Aparecida, austero, confiando nos seus deveres e trabalhos: o homem que jamais
manifestara ao filho o seu desejo de possuir, por exemplo, um carro, ou ter um
negócio só seu, ou, no mínimo, de adquirir uma lavadeira automática para
desafogar o trabalho da mulher :
— "Meu filho, com a
graça. de Deus, todos vão com saúde. Não me falta nada. Assim como vivo, vivo
bem. Mas se você quiser saber de um desejo que sempre tive fique sabendo agora
que toda a vida quis ver o mar. É só isso, meu filho, mais nada."
Tão pouco lhe pedia o
pai ! Mandou-lhe o filho a passagem, depois de ter escolhido um bom hotelzinho
na Tijuca, freqüentado por gente de pequenas posses, mas pessoas escolhidas —
só família, enfim. E o velho chegou com a alegria de ver o filho que realizara
o que inúmeras gerações de sua gente não haviam conseguido: ter dinheiro
sobrando. Vieram as efusões, as lágrimas. O primeiro dia passou, e, logo no
segundo, o filho veio buscar o pai:
Papai, vista-se que eu
vou levá-lo a Copacabana. Está na hora de realizar o desejo.
O velho olhou-o piscando
meio trêmulo:
— "Hoje, não. Quero
visitar a prima Carlota, que mora aqui perto. Amanhã eu vou".
Chegou amanhã, e o pai,
sempre tremendo e piscando, disse que não se sentia bem para ir a Copacabana.
No terceiro e no quarto dias também, afirmou que não podia ir e que queria
comprar uma lembrancinha para a mulher e para a filha. Alguns dias decorreram e
o grande encontro entre o mineiro e o mar foi sendo protelado. Já, então, o
filho estava meio triste com aquela estranha atitude do pai e, afinal,
desabafou:
— "Parece que o
senhor não está querendo mesmo ir ver o mar! Desde que chegou aqui não encontra
um dia para realizar aquilo que afirmou ser o único desejo de sua vida!"
O pai chegou a pegar o
chapéu, passou a mão no ombro do filho mas estava tão perturbado, que desta
vez, realmente, parecia doente.
— "Meu pai, o que é
que o senhor tem? O que há?"
O velho mineiro, de
olhos nublados, hesitou. Por fim, largou o peso da verdade de uma vez:
— "Acho uma coisa tão maravilhosa poder ir ver o mar que quero entregar a Nossa Senhora o meu sacrifício. Meu filho, não se zangue. Vou voltar hoje mesmo para casa sem ir a Copacabana".
— "Acho uma coisa tão maravilhosa poder ir ver o mar que quero entregar a Nossa Senhora o meu sacrifício. Meu filho, não se zangue. Vou voltar hoje mesmo para casa sem ir a Copacabana".
— "Mas por que, meu
pai? Por quê? Nem Nossa Senhora vai aceitar esse seu sacrifício. Todo mundo vê
o mar todo dia. Gente há que nem liga, passa pela praia e nem volta o rosto
para ele..."
Mas, a essa altura, o
velho já ia juntando os seus trens. Nesse mesmo dia voltou para sua cidade das
Minas Gerais, levando em sua imaginação a idéia do abismo de assombro que ele
jamais encontraria.
Crônica extraída do livro "Quadrante 2", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1968, pág. 13.
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