WALCYR
CARRASCO
BERNARDINO
DE CAMPOS-SP = 1951
Romântico
Ritual
Quando cheguei à
academia, notei que meu personal trainer, Igor, mostrava rugas na testa. Não
nego, fiquei curioso: saber da vida alheia é uma das minhas atividades
prediletas.
— Tudo bem? —
perguntei- lhe.
Ele apertou uns
botões e desandei a correr na esteira, veloz como um hipopótamo. Enquanto eu
suava, Igor desabafou.
— Queria pedir a
Júlia em casamento e lhe dar um anel de noivado, como se fazia antigamente. Mas
todo mundo diz que é brega.
Aspirei mais uma
golfada de ar e pedi a ele para me explicar. Segundo contou, namorava Júlia
fazia cinco anos. Pretendia se casar até dezembro. Comprou alianças e um anel
de cristal. Pensou em combinar um jantar com a família de ambos e pedi-la diante
dos pais. Os amigos criticavam.
— Você acha que é
cafona?
— Dá um segundo,
não consigo respirar! — respondi, nos minutos finais da corrida.
Terminei a esteira. Particularmente, admiro os delicados rituais do passado. Aconselhei:
Terminei a esteira. Particularmente, admiro os delicados rituais do passado. Aconselhei:
— Faça tudo como
pensou. Ela nunca vai esquecer. E, se for brega, qual o problema?
Na semana seguinte,
não resisti:
— Como foi?
Seus olhos
faiscaram:
— Maravilhoso!
Preparou a
surpresa. Combinou tudo com os pais da jovem e sua própria família. De tarde, a
irmã de Júlia a levou para o salão de beleza. Igor só foi buscá-la quando todos
estavam reunidos, à espera do casal.
Em casa, diante das
duas famílias, ela surpreendeu-se:
— O que você
aprontou?
Igor ajoelhou-se.
Nem lembra direito o que disse, de tão nervoso:
— Falei que a amava.
Ofereci a ela o anel e perguntei se aceitava se casar comigo. Antes de ela
responder, no entanto, queria ouvir seus pais.
Os futuros sogros
brincaram, fingindo estar em dúvida. Mas logo concordaram. Júlia, em lágrimas,
respondeu:
— Sim! Claro que
sim!
Adorou o anel.
Trocaram alianças. As mulheres presentes choraram. Em seguida, os noivos e as
famílias comemoraram com um jantar.
— Você estava
certo, ela nunca vai esquecer! Nem eu! — comentou. — Se você não tivesse dado o
empurrão, nunca teria tido coragem!
Fiquei pensando:
quantos suaves rituais do passado nós abandonamos hoje em dia? Gestos bonitos
são tachados de bregas, de cafonas. Antes, as pessoas costumavam se vestir
especialmente para ir ao teatro, ao cinema ou jantar fora. Os homens,
principalmente, nem ligam mais para isso. Mas chegar bem-vestido a qualquer
lugar é um ritual que faz bem e eleva a autoestima.
Também acho feio
chegar sem presente a um aniversário, mesmo que seja só uma lembrancinha para
dizer: “Pensei em você!”. Participar de batizados, de bodas de prata, oferecer
um jantar a um amigo que conseguiu um bom emprego ou enviar flores para quem
lançou um livro são delicadezas que muita gente acredita ultrapassadas. O mundo
moderno é rápido, prático, e tantas pequenas coisas parecem ter perdido a razão
de ser.
Mas eu acredito
nesses rituais que marcam os bons momentos da vida. Rituais que estabelecem
laços, expressam afeto, falam de emoções! Francamente, não tenho medo de ser
tachado de brega, cafona ou coisa que o valha. Como disse a Igor, por que temer
meras palavras?
A cerimônia de
noivado do casal, com declaração e anel, está sendo comentada em todo o bairro.
As amigas de Júlia suspiram, desejando que seus namorados sejam tão românticos
quanto Igor. Ele também anda surpreso.
— Estou fazendo o
maior sucesso — comentou, enquanto me botava para correr na esteira mais uma
vez.
E concluiu:
— Nunca pensei que
fosse tão bom ser romântico!
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