|
EÇA DE QUEIRÓS
PORTUGAL = 1845 / 1900
A Crônica
A crónica é como que a conversa íntima, indolente,
desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem
nexo; espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela
cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, das modas, dos enfeites,
fala de tudo, baixinho, como se faz ao serão, ao braseiro, ou ainda de
verão, no campo, quando o ar está triste.
|
Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amores,
crimes terríveis; espreita porque não lhe fica mal espreitar. Olha para
tudo, umas vezes maliciosamente, como faz a lua, outras alegre e
robustamente, como faz o sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um
estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e
actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China; ela
conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade;
ela não tem opiniões, não sabe o resto do jornal; está aqui, nas suas
colunas, cantando, rindo, palrando; não tem a voz grossa da política, nem a
voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz
serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou
ouvindo, perguntando, esmiuçando.
A crónica é como estes rapazes que não têm morada sua e
que vivem no quarto de seus amigos, que entram com um cheiro de primavera,
alegres, folgazões, dançando, que nos abraçam, que nos empurram, que nos
falam de tudo, que se apropriam do nosso papel, do nosso colarinho, da
nossa navalha da barba, que nos maçam, que nos fatigam mesmo e, quando se
vão embora, nos deixam cheios de saudade.
Eça
de Queirós, in - Distrito de Évora, nº1 6/1/1867
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário