domingo, 17 de março de 2013

CONTOS = Leon Eliachar


CONTOS DE LEON ELIACHAR


GARANTIA
A mulher virou para o lado, cobriu a cabeça com o tra­vesseiro e falou, com a voz sufocada:
— Desliga esse rádio, Élcio. Já é meia-noite e você pre­cisa ir embora.
Élcio nem dava bola. As palavras agora não eram tão importantes quanto os números. Aumentou o volume do rádio e falou:
— Só mais uma urna.
A mulher sentou-se na cama, indignada:
— Só quero ver a sua cara, quando o meu marido chegar.
Élcio sorriu:
— E quem é que você pensa que estou ouvindo no rá­dio, meu bem?
PAPEL DUPLO
Isabela era atriz de teatro, ia para o ensaio:
— Por que não vem comigo, amor?
Nelson, seu noivo, foi positivo:
— O último ensaio que vi, você estava muito entusias­mada, beijando aquele calhorda.
— Arte é arte, meu bem.
— Você está muito enganada. A arte tem limite.
— Discordo. A arte não tem limite.
— Mas a minha paciência tem.
— Deixa de ser bobo, você não confia em mim?
— Confio, não confio é nele.
— Você parece que nem conhece gente de teatro. No­venta e nove por cento não é de nada.
— E como é que posso saber que o sujeito que você beija não é o 1 por cento?
— Porque estou lhe dizendo que ele não é de nada. Isabela foi, Nelson ficou. Meia hora depois, ele não resistiu, ligou para o teatro:
— Por obséquio, a Isabela pode atender?
— Quem?
— Aquela moça que é beijada o tempo todo.
— Escuta, meu chapa: em cena ou fora de cena?
— Em cena, é claro!
— Então não sei quem é.
SURPRESA
Zoroni era mágico há dezoito anos, há dois meses estava sem emprego. Sua mulher não se conformava:
— E agora, de que adiantam os seus truques? Quero ver é você tirar o bife da cartola. De conversa já ando cheia.
Uma noite, ele chegou em casa e teve a surpresa: a mesa estava posta, com os melhores pratos que pudesse pen­sar. Aparelho de jantar inglês, faqueiro de vermeil francês, cristais tchecos e toalhas de cambraia bordadas em Portugal. Ficou intrigado, mas não disse palavra. Comeu o que pôde, acendeu um cigarro, esparramou-se no diva, pensativo. Quan­do a mulher lhe perguntou por que estava tão triste, apro­veitou :
— Nada, não. É que arranjei hoje um emprego de faquir.
E ela:
— E isso é tão trágico assim?
— Trágico, não, humilhante. O mágico sou eu, mas quem faz a mágica é você.

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