DINAH
SILVEIRA DE QUEIROZ
SÃO PAULO-SP = 1917
/ 1982
O Homem Que Se Evadiu
Numa segunda-feira, em que o homem sentia a vida como um nó na garganta, um companheiro de trabalho deu certa notícia: — "Sabe? O chefe vai mandar-me a Buenos Aires por quinze dias!"
— "Mas você é um homem de sorte! Eu que sempre quis conhecer aquela terra!" A viagem do colega a Buenos Aires deu ao nosso conhecido um complexo: o da liberdade! A inveja nele doía. E então, pediu ao felizardo:
— "Tive uma idéia. Vou tomar
férias. E como não tenho dinheiro para viajar... fico por aqui mesmo. Mas quero
que minha mulher pense que estou fora. Meu amigo — eu vou é me acabar! Vou-me
divertir para o resto da minha vida. Você vai para Buenos Aires, mas a gente
rica de lá vem passear aqui. Quer dizer que isto é bom. O de que se precisa é
liberdade, para gozar o Rio." Como o amigo concordasse com sua fantasia --
o carioca que queria gozar o Rio como turista disse à mulher: — "Meu bem,
tenho uma novidade para contar.
O chefe me despachou para Buenos
Aires por duas semanas! Vou ter muitas saudades de você. Nós que não nos
separamos nunca!" E ele não quis que a mulher o acompanhasse ao Aeroporto:
— " Vou ficar muito
emocionado."
Nesse dia em que deveria
embarcar, ele madrugou e foi levar o amigo, entregando-lhe meia dúzia de
telegramas que deveria passar... E caiu na orgia. À noite, depois de um dia de
companhia alegre, de passeio de lancha, de teatro ao lado de uma loira, à
noite, lá pelas onze horas, uns conhecidos que chegavam a uma boate deram com
nosso personagem num pileque terrível. Daí a meia hora estava dormindo sobre a
mesa: ninguém sabia que ele tomara um quarto em hotel... nem conhecia sua trama
inventada. Os amigos, penalizados, o puseram num automóvel e sabendo do seu
endereço, o deixaram em casa, onde a mulher o recebeu com espanto, que se
transformou em cólera tremenda. Quando, de manhãzinha, o homem acordou em seu
quarto — mediu toda a extensão da sua — desgraça:
— " Meu bem, os amigos, lá
no aeroporto... O avião atrasara quatro horas... me deram uma festinha de
despedida... e eu perdi a hora... Mas não foi minha culpa. Você me perdoe. Isso
aconteceu, porque eu não tenho hábito dessas coisas... Mas eu me arranjarei com
o chefe... Até foi bom. Ele manda outro funcionário, e eu não me separo mais da
minha mulherzinha."
A senhora estava furiosa. Foi
preciso muito juramento e muita declaração de amor para que amansasse um
pouquinho. À tarde, quando estava já querendo fazer as pazes tocou a campainha
da porta. Era um telegrama. Ela o abriu:
— " Viagem ótima. Morrendo
saudades querida mulherzinha."
Foi a tempestade. A senhora
arrumou a bagagem. Ia para a casa do pai, pois não era uma abandonada. O marido
se arrojou ao chão, inventou histórias, disse que se mataria. Ela ficou. Mas
quando se recolhiam ao quarto de pazes feitas, chegou novo telegrama:
— " Buenos Aires sem ti não
vale nada."
E os quinze dias do homem que
quis quebrar sua rotina foram tremendos. Mesmo porque o amigo que levara os
telegramas mudara de hotel, em
Buenos Aires , e se desincumbiu religiosamente da sua missão.
O último despacho que mandou foi assim:
— " Volto amanhã teus
braços." E estava gentilmente assinado: " Maridinho."
Nenhum comentário:
Postar um comentário