SÉRGIO SANTANA
Carioca, nascido em 1941
Mais Romeu e Julieta
(Minificções)
1 = Você amaria um sujeito com um olho
de vidro?
Ela
disse que a venda negra nos olhos até o tornava atraente, misterioso. Ele
estava completamente bêbado e falou que as pessoas precisam se conhecer até o
fundo. Arrancando o olho de vidro, jogou-o dentro da laranjada dela. Disse que
se ela bebesse com o olho dentro do copo, ele ficaria apaixonado para sempre.
Ela bebeu.
2 = Na primeira noite, ele achou que para mulher virgem havia penetrado fácil demais. Mas ele era um sujeito fechado, guardava as coisas para si mesmo, refletindo nelas.
Quando
ela foi ao banheiro, na manhã seguinte, ele verificou rapidamente o lençol.
Nenhum vestígio de sangue.
Um
sargento da polícia ninguém passa pra trás.
Na
noite seguinte, ele saiu para a rua, apesar da lua-de-mel. Voltando bêbado e
sem pronunciar qualquer palavra, deu vinte e cinco facadas nela. O lençol ficou
empapado de sangue.
3 = Na cama, ele perguntou a ela se podia acender a luz para vê-la. Ela disse que sim, fechando os olhos. E ele perguntou, de repente, se podia fotografá-la, no dia seguinte, completamente nua. Ela sorriu, abrindo os olhos e perguntando: — Por quê?
—
Por nada, apenas para guardar comigo.
Mas
ele estava pensando que o sistema deles era um círculo e eles desceriam
novamente ao fundo e que um dia o círculo poderia se romper e eles permanecem
para sempre no fundo, atolados no lodo do fundo. Mas restaria uma lembrança
dela assim: jovem, bonita e nua.
4 = Ele voltava muito tarde para casa e sempre bêbado. Batia nela e nos meninos. Nela própria, a mulher ainda podia suportar. Mas nos meninos não.
Segurando
o ferro de passar, ela o esperou na escuridão de um canto da parede. Quando ele
entrou, tropeçando e praguejando, ela encontrou uma agilidade que nunca
possuíra e acertou em cheio um golpe na cabeça dele. Com um pequeno gemido, ele
caiu ao chão.
Ela montou sobre o corpo caído, já sentindo um cadáver. Mas desferiu vários golpes na cabeça dele, até cansar. Depois ela se levantou e foi até o quarto dos meninos. Ajeitando as cobertas sobre eles, deu um leve beijo em cada um.
Ela montou sobre o corpo caído, já sentindo um cadáver. Mas desferiu vários golpes na cabeça dele, até cansar. Depois ela se levantou e foi até o quarto dos meninos. Ajeitando as cobertas sobre eles, deu um leve beijo em cada um.
5 = Ela esperava por ele, no escuro. Ele não chegava. Ela se enfureceu. Acendeu a luz e olhou o apartamento vazio. E viu, na parede, o quadro de que ele tanto gostava. Retângulos, e quadrados superpostos. Ele dizia que o quadro era bom por causa de sua simplicidade geométrica. Junto ao quadro, havia um punhal. Ele gostava, também, daquele punhal. Tornava-o próximo de uma rudeza que de verdade ele não possuía. Ela segurou nervosamente o punhal e começou a fincá-lo no quadro. Depois ele viu o quadro destruído e tentou chorar, sem que o conseguisse.
Ele
chegou em casa e perguntou a ela por que fizera aquilo? Ela disse que não
gostava do quadro. Ele falou que era mentira e que o quadro era seu e custara
dinheiro. Então ela confessou que fizera aquilo porque ele não vinha para casa
na hora certa.
— As horas não são diferentes umas das outras — ele gritou.
Ela
disse que tinha vontade de morrer...
—
Pois então morra.
Ela
se aproximou da janela. Havia cinco andares. Ele não acreditava que ela se
atreveria, mas nunca se podia ter certeza. Ele teve medo de que ela se atirasse
apenas para provar-lhe isto: que era capaz de se atirar. Então ele deu um salto
e segurou-a pelas costas, gritando que ela era uma neurótica. Ela deu-lhe um
tapa no rosto. Ele a empurrou, com força, atirando-a ao chão. Ela poderia
ter-se amparado, se quisesse, mas preferiu cair com violência e escândalo
contra o assoalho. Ele teve medo de que ela houvesse realmente se machucado e
aliviou-se quando a viu soluçando baixinho e mais calma.
Ele
queria que existisse um outro quarto no apartamento, para onde pudesse ir. Mas
não havia e ele pensou em trancar-se no banheiro. Ela estava, porém, caída e
descomposta, no chão, com as pernas inteiramente descobertas. E ele foi
chegando a mão, devagarinho. As pernas dela se fecharam, tensas, como numa
recusa. Mas ele continuou a acariciá-la. E ela foi-se afrouxando, aos poucos,
oferecendo-se.
6 = Estavam apaixonados um pelo outro. Ele era meio teatral e disse, um dia, que as perfeitas histórias de amor terminam com a morte. Como em Romeu e Julieta. Porque, do contrário, chegaria o tempo
Quando terminaram mais uma vez de se amar, ela teve medo e perguntou:
—
O que faremos, se isso começar a acontecer?
Ele
disse que na cozinha havia um fogão e neste fogão interruptores e que eles
poderiam arrastar a cama para lá e se despirem e depois ligarem os interruptores
e se abraçarem, como se nada estivesse acontecendo. Como se o gás já não
começasse a penetrar em suas narinas, misturando-se aos estremecimentos e
gemidos do corpo e provocando um sono que nunca haveria de se dissipar.
—
É completamente indolor — ele disse, soltando uma gargalhada.
Mas
ela nunca sabia quando ele estava brincando ou falando a sério.
Nenhum comentário:
Postar um comentário