sábado, 2 de fevereiro de 2013

EÇA DE QUEIRÓS




Com estes olhos que recebemos da Madre Natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada.
Nada mais! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa seca.
Concluo, portanto, que é uma mercearia.
Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva.
Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os de meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia de um astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios.
É outra noção, e tremenda! Tens aqui, pois, o olho primitivo, o da natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência da visão.
E desde já, pelo lado do olho, portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do universo que ele não suspeita e de que está privado.
Aplica esta prova a todos os órgãos e compreende o meu princípio.
Enquanto à inteligência, e à felicidade que dela se tira pela incansável acumulação das noções, só te peço que compares Renan e o Grilo... Claro é, portanto, que nos devemos cercar de Civilização nas máximas proporções para gozar nas máximas proporções a vantagem de viver.

EÇA DE QUEIRÓS
(A Cidade E As Serras)

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