RUBEM BRAGA
CACHOEIRO DO
ITAPEMIRIM-ES = 1913-1990
O PADEIRO
LEVANTO CEDO, FAÇO MINHAS
ABLUÇÕES, PONHO A CHALEIRA NO FOGO PARA FAZER CAFÉ E ABRO A PORTA DO
APARTAMENTO - MAS NÃO ENCONTRO O PÃO COSTUMEIRO. NO MESMO INSTANTE ME LEMBRO DE
TER LIDO ALGUMA COISA NOS JORNAIS DA VÉSPERA SOBRE A "GREVE DO PÃO
DORMIDO". DE RESTO NÃO É BEM UMA GREVE, É UM LOCK-OUT, GREVE DOS PATRÕES,
QUE SUSPENDERAM O TRABALHO NOTURNO; ACHAM QUE OBRIGANDO O POVO A TOMAR SEU CAFÉ
DA MANHÃ COM PÃO DORMIDO CONSEGUIRÃO NÃO SEI BEM O QUE DO GOVERNO.
ESTÁ BEM. TOMO O MEU CAFÉ COM PÃO DORMIDO, QUE NÃO É TÃO RUIM ASSIM. E ENQUANTO TOMO CAFÉ VOU ME LEMBRANDO DE UM HOMEM MODESTO QUE CONHECI ANTIGAMENTE. QUANDO VINHA DEIXAR O PÃO À PORTA DO APARTAMENTO ELE APERTAVA A CAMPAINHA, MAS, PARA NÃO INCOMODAR OS MORADORES, AVISAVA GRITANDO:
ESTÁ BEM. TOMO O MEU CAFÉ COM PÃO DORMIDO, QUE NÃO É TÃO RUIM ASSIM. E ENQUANTO TOMO CAFÉ VOU ME LEMBRANDO DE UM HOMEM MODESTO QUE CONHECI ANTIGAMENTE. QUANDO VINHA DEIXAR O PÃO À PORTA DO APARTAMENTO ELE APERTAVA A CAMPAINHA, MAS, PARA NÃO INCOMODAR OS MORADORES, AVISAVA GRITANDO:
- NÃO É NINGUÉM, É O
PADEIRO!
INTERROGUEI-O UMA VEZ: COMO TIVERA A IDÉIA DE GRITAR AQUILO?
"ENTÃO VOCÊ NÃO É NINGUÉM?"
ELE ABRIU UM SORRISO LARGO.
EXPLICOU QUE APRENDERA AQUILO DE OUVIDO. MUITAS VEZES LHE ACONTECERA BATER A
CAMPAINHA DE UMA CASA E SER ATENDIDO POR UMA EMPREGADA OU OUTRA PESSOA
QUALQUER, E OUVIR UMA VOZ QUE VINHA LÁ DE DENTRO PERGUNTANDO QUEM ERA; E OUVIR
A PESSOA QUE O ATENDERA DIZER PARA DENTRO: "NÃO É NINGUÉM, NÃO SENHORA, É O
PADEIRO". ASSIM FICARA SABENDO QUE NÃO ERA NINGUÉM...
ELE ME CONTOU ISSO SEM
MÁGOA NENHUMA, E SE DESPEDIU AINDA SORRINDO. EU NÃO QUIS DETÊ-LO PARA EXPLICAR
QUE ESTAVA FALANDO COM UM COLEGA, AINDA QUE MENOS IMPORTANTE. NAQUELE TEMPO EU
TAMBÉM, COMO OS PADEIROS, FAZIA O TRABALHO NOTURNO. ERA PELA MADRUGADA QUE
DEIXAVA A REDAÇÃO DE JORNAL, QUASE SEMPRE DEPOIS DE UMA PASSAGEM PELA OFICINA -
E MUITAS VEZES SAÍA JÁ LEVANDO NA MÃO UM DOS PRIMEIROS EXEMPLARES RODADOS, O
JORNAL AINDA QUENTINHO DA MÁQUINA, COMO PÃO SAÍDO DO FORNO.
AH, EU ERA RAPAZ, EU ERA RAPAZ NAQUELE TEMPO! E ÀS VEZES ME JULGAVA IMPORTANTE PORQUE NO JORNAL QUE LEVAVA PARA CASA, ALÉM DE REPORTAGENS OU NOTAS QUE EU ESCREVERA SEM ASSINAR, IA UMA CRÔNICA OU ARTIGO COM O MEU NOME. O JORNAL E O PÃO ESTARIAM BEM CEDINHO NA PORTA DE CADA LAR; E DENTRO DO MEU CORAÇÃO EU RECEBI A LIÇÃO DE HUMILDADE DAQUELE HOMEM ENTRE TODOS ÚTIL E ENTRE TODOS ALEGRE; "NÃO É NINGUÉM, É O PADEIRO!" E ASSOBIAVA PELAS ESCADAS.
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