sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CRÔNICA = Rubem Alves


RUBEM ALVES
BOA ESPERANÇA-MG  =  1933



A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser quem devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser.
Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro.
O milho da pipoca somos nós: duros,quebra-dentes, impróprios para comer.
Pelo poder do fogo podemos, repentinamente nos transformar em outra coisa. 

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca para sempre. Assim acontece com a gente.
As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira. 
São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas.Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. 

Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, ficar doente, perder o emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, sofrimentos, cujas causas ignoramos. Mas há sempre o recurso do remédio. Apagar o fogo. 
Mas de repente vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. 

Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. 
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. 
Dentro de sua casca dura, fechada em si mesmo. Ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz... 

Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: PUM ! – e ela aparece como uma outra coisa completamente diferente que ela mesma nunca havia sonhado. 
Bom, mas ainda temos o “piruá”que é o milho de pipoca que se recusa estourar. São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar. 

Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas de serem. A sua presunção e o medo são a dura casca de milho que não estoura. 
O destino delas é triste. Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém. 
Terminando o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo...

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