RONALDO CORREIA DE BRITO
SABOEIRO-CE = 1951
Não penso brincar o carnaval
esse ano. Melhor seria esquecer a cidade, fugir pra bem longe. No Recife, é
quase impossível se distanciar do carnaval. Ele cerca você por todos os lados,
feito cão perseguindo raposa. Não existem bairros imunes, nem lugares sagrados.
Quando menos esperamos, aparece uma troça pela frente, um brincante solitário,
alguém tocando clarinete ou bandolim.
Recife é uma cidade bem
estranha. Gilberto Freyre esmiuçou suas particularidades, mas não conseguiu
enquadrá-lo num estudo de sociologia. Ele achava o Recife masculino, enquanto
Salvador era feminina. Pode ser mesmo. Nenhuma cidade do Brasil fez tantas
revoluções com mortes e derramamento de sangue. O Império, por razões
políticas, instituiu a Inconfidência Mineira como data magna, mesmo só tendo
havido dois mártires por lá. Os mineiros desejavam a emancipação de Portugal.
Os pernambucanos, paraibanos, rio-grandenses e alguns heróis cearenses brigavam
pela república e separação do Brasil.
Na marcha de bloco Evocação
número 1, o maestro Nelson Ferreira canta um Recife que adormecia e ficava a
sonhar, ao som da triste melodia. A cidade cheirando a maré do rio
Capibaribe sonhava ser república já em 1817. Juntou-se com os revolucionários
das outras províncias e tentaram a façanha, porém nada conseguiram. Mais
de mil homens foram mortos e banidos. Tentaram novamente em 1824 e houve mais
mortes e repressão. Depois de tantas lutas inglórias, tristezas e melancolias,
os recifenses se embriagaram nos sonhos dos maracatus e blocos. A força
revolucionária sentou praça no carnaval.
No Brasil, tudo desemboca no
carnaval. Fala-se em carnavalização da cultura. Do lado de cá do nordeste, o
Natal, o São João e a Quaresma, que antes possuíam comemorações específicas,
com música, culinária, dança e liturgia próprias, tornaram-se um show com os
mesmo artistas. Pra onde você for, encontrará palanques armados com Ivetes
Sangalos, Aviões do Forró e caipiras universitários. E cachês altos pagos pelas
prefeituras ou governos, com o dinheiro dos impostos que poderiam ser usados na
educação. A fórmula antiga dos romanos – pão e circo – ainda não encontrou nada
que a substitua: bota-se o povo na praça, enche a cabeça dele até de madrugada
com muito axé, forró e sertanejo. A indústria milionária da cerveja se
encarrega do resto. Pão, circo, violência e muita alienação mascarada de
cultura.
Não sou saudosista, mas faço
guerra ao carnaval negócio. Hoje, quem exporta e vende alegria fabricada são as
TVs, as rádios, os jornais, as secretarias de cultura e turismo – de
prefeituras e governos –, e as empresas privadas, sobretudo o ramo de bebidas, que
embolsa mais alto do que a nossa orgulhosa Petrobras.
Os políticos de ocasião também
faturam alto. Dá voto aparecer no desfile do Galo da Madrugada, ou num camarote
do sambódromo. Esses dois são os melhores exemplos de máquinas carnavalescas
azeitadas. Dizem que é bom para o turismo e a economia. Será mesmo? Vocês já
pensaram no alto custo desse carnaval?
O centro do Recife e o bairro
antigo são devastados, se transformam em praças de guerra, com barricadas,
tapumes e edifícios improvisados em camarins e camarotes. Lá embaixo, ao rés do
chão, os foliões se agitam possessos como as bacantes. Nos espaços privados,
servidos com o melhor uísque e canapés finos, os de sempre, os mais
privilegiados, olham os de baixo e acenam.
Na pista, o calor excede os 45
graus. Nos camarotes, os aparelhos de ar condicionado garantem os 18 graus.
Tudo tão democrático e carnavalesco. Igualzinho à República de 1817, que
manteve a escravidão para não quebrar os senhores de engenho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário