L Y A L U F T
SANTA CRUZ DO SUL-RS = 1938
"Respeito é bom e eu gosto", diz uma das mil
frases feitas - esse sutil veneno ou pontapé no estômago - que pontilham
nossa sabedoria dita popular. Vale para muitos aspectos da nossa vida. Vamos
ver alguns.
Escuto frequentemente a queixa de mulheres de que ainda não
são respeitadas como merecem, em seu trabalho ou individualmente. Primeiro, é uma
questão de tempo, pois em que quase todos os territórios da atividade humana,
menos cozinhar e parir, mulheres são novidade. Ainda estamos buscando
nosso jeito de trabalhar, de comandar, de usar nossa autonomia.
Certa vez, querendo me elogiar, um crítico escreveu:
"(...) é uma excelente escritora, pois embora sendo mulher, escreve com
mão de homem". Isso por si basta para reconhecer a carga de preconceito
que sobrevive mesmo entre pessoas com certo preparo, inclusive mulheres,
diga-se de passagem, que em geral são os piores juízes de outras mulheres.
Se ela faz bem um trabalho (vale para juízas,
reitoras, governadoras, vereadoras, motoristas de ônibus, policiais,
grandes cirurgiãs etc.), é porque o faz como homem. Quantas gerações terão de
passar, para que isso mude?
Esse preconceito é demorado e obstinado, e nós mulheres
colaboramos com ele dando nossa melancólica parcela, por exemplo, no jeito como
nos portamos, como nos vestimos, como agimos no trivial, ou quando estamos no
poder, qualquer poder. Não é por nada que boa parte das propagandas de
quaisquer produtos usa mulheres quase nuas ou em trejeitos sensuais: vende, dá
ibope, dá vontade de comprar... o que é um modo de poder. Falo com certa
frequência na psicóloga que atende seus pacientes de minissaia ou profundos
decotes, e digo que, lidando com a alma desses pacientes, a roupa não parece
muito adequada. Nada contra a peça de roupa, desde que num corpo adolescente:
adolescentes ainda não atendem pessoas com problemas psicológicos.
Enquanto nos portarmos feito crianças pouco inteligentes,
ou enquanto nosso maior trunfo forem nádegas firmes, fica difícil reclamar
que não nos respeitam o bastante. Estarei dando muito valor e exterioridades
como saia, jóias, trejeitos? Estou. A aparência é nosso primeiro cartão de
visita dizendo coisas como: eu me acho linda, eu sou sensual, estou consciente
disso. O segundo cartão é a linguagem: se eu não sei nem articular direito meu
pensamento falando ou escrevendo, não vou ser um grande candidato a um
emprego razoável, pelo menos um cargo em que eu precise pensar... e
falar.
Pais também se queixam de que os filhos não os respeitam.
Um bom começo de diálogo é indagar como eles, pais, se portam em casa. Gentis
um com o outro, com empregadas, com os filhos - ou a gente acha que dentro da
porta da casa, com os filhos, vale tudo, até grosseria e falta de compostura? O
comportamento das crianças e adolescentes e seus conceitos sobre o mundo (eles
os têm desde cedo, não se iludam!) refletem sua casa. Um pouco incômodo: querendo
ou não, somos seus primeiros modelos, e eles percebem muito bem o que é natural
e o que é fingido em nós.
Isso se estende para a escola, onde professores suportam
violência verbal e física, agressividade, má-educação, hostilidade por parte de
alguns alunos - não todos, possivelmente nem a maioria. Se pudéssemos
pesquisar a vida familiar dessa meninada, com frequência iríamos constatar que
ela apenas reproduz ou continua, na rua, no pátio da escola e na sala e aula, o
tratamento que predomina em sua casa. Lá, talvez, os filhos não conheçam
limites ou, quem sabe, o pai é do tipo que aprecia um coronelismo ultrapassado.
Observo muita gente, e não só jovens, dando de ombros
ou rindo ao assistir a uma entrevista de alguns dos nossos líderes(ou escutando
belas frases sobre ética): também na vida pública, o respeito tem de ser
conquistado e merecido. Sendo humanos, homens, mulheres e criança, somos ainda
animais predadores, querendo ocupar espaço a patadas. Se pudermos, em vez de
falar, rosnamos; em lugar de curtir, cuspimos em cima. A gente precisa ser
domesticado desde o dia em que
nasce.
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