CAIO MOURÃO
SÃO PAULO-SP = 1933
Conversa De Botequim
Atendo ao telefone e tento escutar, por
trás de um ressoar de vozes, gargalhadas e tinir de copos e daquela zoeira que
costumam ter os bares em horas animadas, a seguinte pergunta:
- Como era o nome do toureiro que comia o
Hemingway?
Pasmei. O Ernest, maior espada, virar
"Hemin gay", agora? Isto jogava no chão um dos maiores ídolos da
minha infância e vida. "Por Quem os Sinos Dobram", "O velho e o
Mar", "Neves do Klimandjaro", "Adeus às Armas", tudo
reduzido a lantejoulas e plumas? Essa não!
Vi logo a confusão e tentei explicar por
cima do barulho e risadas: Quem comia - ou ao contrário - um toureiro era
Garcia Lorca, o poeta fuzilado por Franco, e o toureiro chamava-se Ignácio, El
Gitano (O cigano). Para ele, Lorca fez aquela linda poesia "A las Cinco de
la Tarde ".
Do outro lado:
- Então foi o Picasso?
Enquanto tentava entender o que Picasso
fazia nesta tourada, ouvi uma voz esganiçada ao fundo dizendo:
- Prefiro Van Gogh.
Então primeiro me perdi, mas depois vi a
conexão: o pintor que teve um caso com Lorca foi Salvador Dali, de quem dizem
que continuou apaixonado pelo poeta, apesar de ter sido casado por toda a vida
com Gala, a quem nunca traiu. Ela sim, com todos os amigos, antes e depois do
casamento. Coisa que não importava ao pintor, porque era vidrado em ouro, ou
dolares, tanto que certa vez um crítico fez um acróstico do seu nome e
conseguiu "Salvador Dali = Ávida Dollares". Podem conferir, dá
certinho! O pintor, que todos julgavam que ia se ofender agradeceu e disse que
era isto mesmo.
Voltemos ao boteco. Respondi que tinha
sido Dali, o Surrealista.
Mais vozes não entendidas, então outra
pergunta:
- O Hemingway então era amante do Scott
Fitzgerald?
Mais esta agora. Estão pensando que sou
Enciclopédia de quem comeu quem, na época que "Paris era uma festa"?
- Não. Respondi, e expliquei: -
Detestavam-se, Scott morava com Zelda (a doida), sua mulher, no George V, ou no
Ritz, era rico e esnobe, enquanto o Hemingway, de calcinha de veludo surrada,
se escondia numa água furtada em Saint Germain , e pelos pobres bistrots (botecos)
bebia e comia, sempre batendo furiosamente na sua máquina de escrever portátil,
(era jornalista correspondente) nem tanto assim na época. Um escrevia sobre a
high society, o outro sobre gente mesmo. E os dois eram muito bons.
Dizem que Ernest teve um caso com Zelda,
aprovado pelo marido, mas isto é outra estória, e não comprovada. Fofocas
parisienses da época.
Mais um pouco de barulho, chiados,
celulares e a última pergunta:
- E o Inácio, o Gitano era bonito?
E eu sei? Sei que era cigano e devia ter
um charme violento, e além disto, toureiro. Devia ser um Zulu da época, todo
sarado, e com toda a mídia em cima .
- Uma graça! Respondi, só de sacanagem.
Caiu a linha, ainda bem, pois já estava
com receio das próximas perguntas. Até quando iria saber ou inventar mais
explicações e estórias?
Se estivesse in loco no botequim, com uns
cinco ou seis choppinhos correndo pelas minhas veias, poderia continuar ou sair
para outros caminhos, mas por celular...?
Pois é, botequim faz uma falta....
*Designer, escultor e saudoso de botecos
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