sábado, 2 de fevereiro de 2013

CRÔNICA = Caio Mourão


CAIO MOURÃO
SÃO PAULO-SP  =  1933


Conversa De Botequim


Atendo ao telefone e tento escutar, por trás de um ressoar de vozes, gargalhadas e tinir de copos e daquela zoeira que costumam ter os bares em horas animadas, a seguinte pergunta:
- Como era o nome do toureiro que comia o Hemingway?
Pasmei. O Ernest, maior espada, virar "Hemin gay", agora? Isto jogava no chão um dos maiores ídolos da minha infância e vida. "Por Quem os Sinos Dobram", "O velho e o Mar", "Neves do Klimandjaro", "Adeus às Armas", tudo reduzido a lantejoulas e plumas? Essa não!
Vi logo a confusão e tentei explicar por cima do barulho e risadas: Quem comia - ou ao contrário - um toureiro era Garcia Lorca, o poeta fuzilado por Franco, e o toureiro chamava-se Ignácio, El Gitano (O cigano). Para ele, Lorca fez aquela linda poesia "A las Cinco de la Tarde".
Do outro lado:
- Então foi o Picasso?
Enquanto tentava entender o que Picasso fazia nesta tourada, ouvi uma voz esganiçada ao fundo dizendo:
- Prefiro Van Gogh.
Então primeiro me perdi, mas depois vi a conexão: o pintor que teve um caso com Lorca foi Salvador Dali, de quem dizem que continuou apaixonado pelo poeta, apesar de ter sido casado por toda a vida com Gala, a quem nunca traiu. Ela sim, com todos os amigos, antes e depois do casamento. Coisa que não importava ao pintor, porque era vidrado em ouro, ou dolares, tanto que certa vez um crítico fez um acróstico do seu nome e conseguiu "Salvador Dali = Ávida Dollares". Podem conferir, dá certinho! O pintor, que todos julgavam que ia se ofender agradeceu e disse que era isto mesmo.
Voltemos ao boteco. Respondi que tinha sido Dali, o Surrealista.
Mais vozes não entendidas, então outra pergunta:
- O Hemingway então era amante do Scott Fitzgerald?
Mais esta agora. Estão pensando que sou Enciclopédia de quem comeu quem, na época que "Paris era uma festa"?
- Não. Respondi, e expliquei: - Detestavam-se, Scott morava com Zelda (a doida), sua mulher, no George V, ou no Ritz, era rico e esnobe, enquanto o Hemingway, de calcinha de veludo surrada, se escondia numa água furtada em Saint Germain, e pelos pobres bistrots (botecos) bebia e comia, sempre batendo furiosamente na sua máquina de escrever portátil, (era jornalista correspondente) nem tanto assim na época. Um escrevia sobre a high society, o outro sobre gente mesmo. E os dois eram muito bons.
Dizem que Ernest teve um caso com Zelda, aprovado pelo marido, mas isto é outra estória, e não comprovada. Fofocas parisienses da época.
Mais um pouco de barulho, chiados, celulares e a última pergunta:
- E o Inácio, o Gitano era bonito?
E eu sei? Sei que era cigano e devia ter um charme violento, e além disto, toureiro. Devia ser um Zulu da época, todo sarado, e com toda a mídia em cima .
- Uma graça! Respondi, só de sacanagem.
Caiu a linha, ainda bem, pois já estava com receio das próximas perguntas. Até quando iria saber ou inventar mais explicações e estórias?
Se estivesse in loco no botequim, com uns cinco ou seis choppinhos correndo pelas minhas veias, poderia continuar ou sair para outros caminhos, mas por celular...?
Pois é, botequim faz uma falta....

*Designer, escultor e saudoso de botecos

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