PAULO MENDES CAMPOS
BELO HORIZONTE-MG = 1922-1991
Marido E Mulher
-
Arnaldo, você é o fino: aqui em casa não tem uma gota d’água há cinco dias e
você está uma pilha. Acho perfeitamente normal, meu bem, que você esteja
nervoso... Mas você está com raiva é de mim, você está agindo como se fosse eu
a responsável pelo fato de não ter água no Rio de Janeiro.
- Teresa, vou
ser franco com você: você é a responsável pelo fato de não ter água no Rio de
Janeiro. Tá bem?
- Não morei na
piada.
- Não tem piada
nenhuma. Estou falando português claro: você é a culpada pela falta d'água aqui
em casa.
- Essa, não!
- Mas é claro
que você é a culpada: toda mulher é culpada quando falta água em casa.
- Essa é a
maior!
- Pois fique
sabendo dum princípio banal: a mulher é a responsável pelas coisas que
acontecem dentro de casa. Ela é a secretária administrativa, a gerente do lar!
- Mas o caso é
que a água não acontece dentro de casa, a água vem lá de fora dentro dum cano.
Tá?
- Teresa,
quando um marido chega e as torneiras estão secas a culpa é exclusivamente da
mulher. Não tenha sobre isso a menor dúvida.
- Mas isso é
uma injustiça. O que que eu posso fazer?
- Não sei: o
problema é seu.
- Você hoje
está muito engraçadinho.
- Escute,
minha filha: a humanidade é dividida em homens e mulheres, é ou não é? Tanto
numa tribo do Araguaia como no Rio, os homens cuidam dumas tantas coisas, as
mulheres de outras. Na civilização cristã, a mulher toma conta da casa, o homem
em geral trabalha fora. Estou certo ou errado? Logo...
- Mas espera
aí...
- Logo, as
mulheres são as responsáveis pela falta d'água.
- Francamente,
você como sociólogo não fazia nem para o café. Que culpa tenho eu, a pobre
Teresa, pelo fato de os prefeitos do Rio terem politicado o tempo todo?
- Que culpa?
Uma parte da culpa, claro.
- Que parte?
- A parte que
afeta a vida de casa. Os homens têm a outra parte. Morou? Falta d'água: culpa
das mulheres; bagunça dos transportes: culpa dos homens.
- Estou
começando a entender seu ponto de vista.
- Não é ponto
de vista nenhum: é um fato trivial.
- Só não
admito que as mulheres sejam culpadas pela falta d'água. Eu não entendo de
água! Como é que eu, tomando conta de casa o dia inteiro, vou saber se o
Governo fez ou não fez a adutora do Sandu?
- Do Guandu...
Já disse que o problema é seu. Por que você não saiu em praça pública, não
protestou, não botou fogo na Prefeitura ou no prefeito? O que você devia ter
feito eu não sei.
- Venha cá.
Não seria mais lógico que os homens ficassem encarregados dessa parte do
abastecimento d'água? O que eu não me conformo é com a água...
- Seria se os
homens é que ficassem em casa. Aliás, nisso você tem inteira razão: sempre
achei que os homens deviam tomar conta de casa e que as mulheres deveriam sair
para trabalhar. Perfeito.
- Eu não estou
dizendo isto...
- Mas eu
estou. Não estou brincando, não. A mulher tem muito mais capacidade de
trabalhar do que o homem. Sempre admirei a ordem e a eficiência com que
trabalham. Mulher exatamente só não tem vocação é para tomar conta de casa. São
umas caóticas totais. Você vê um homem no escritório ou na repartição: trabalha
chateado, reclamando, esquece as coisas, confunde tudo. E vê a mulher: mulher
trabalha de bom humor! Agora, você quer ver um homem feliz: manda, por exemplo,
ele organizar um almoço. Como é que ele faz tudo direitinho, muito satisfeito,
não se esquece de nada, sai tudo uma beleza! Olhe aqui: um homem dentro duma
cozinha é a imagem da felicidade! Mas a mulher vai para a cozinha como se fosse
para o inferno.
- Você está
ficando biruta.
- Biruta é a
minha querida sogra. Estou dizendo uma coisa simples, uma coisa que a gente
pode ver a toda hora. Primeiro: mulher se realiza no emprego; o homem uiva para
ganhar a vida. Segundo: o homem é um frustrado porque gosta e tem jeito para
cuidar de casa; mulher não sabe cuidar de casa, mulher detesta cuidar de casa!
Isso ninguém me tira da cabeça.
- Pois para
mim esta sua idéia é novidade.
- Novidade ou
não, é a pura verdade. Você já olhou bem a cara dum homem quando ele lá um dia
resolve encerar a casa? É uma cara de absoluta plenitude. E como os homens
enceram bem! Agora, você reparou na cara duma mulher que vai trocar uma
lâmpada? É a cara da vítima! A cara do casamento fracassado! Ela destorce a
lâmpada queimada como se estivesse na cadeira elétrica!
- Ah, não, meu
filho, isso é porque mulher tem medo de choque.
- Pois é: medo
de choque... Mulher tem medo de choque mesmo com a eletricidade desligada...
Não, minha filha, as coisas estão erradas, mas um ponto é indiscutível: o homem
é um animal doméstico e a mulher é um animal social; o homem gostaria de
organizar a casa e a mulher gostaria de organizar as coisas públicas; trabalho
em casa devia ser para os homens; trabalho fora, para as mulheres. É claro.
- Queria ver
você lavando as fraldas do Antônio Henrique...
- Lavaria, por
que não? Lavar fralda é uma coisa chata para qualquer sexo, é um ônus... Mas
isso não tem nada a ver com a história.
- Eu ficaria
convencida se você fosse lá dentro e me preparasse uma laranjada bem geladinha,
com pouco açúcar.
- Com o maior
prazer!
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