L Ê D O I V O
MACEIÓ-AL =
1924-2012
A Marmita
Em sua marmita
não leva o operário qualquer metafísica.
Leva peixe frito, arroz e feijão.
Dentro dela tudo tem lugar marcado.
Tudo é limitado e nada é infinito.
A caneca d'água
tem espaço apenas para a sua sede.
E a marmita é igual
à boca do estômago,
feita sob medida para a sua fome.
E quando termina sua refeição,
ele ainda cata todas as migalhas,
todo esse farelo de um pão que suasse
durante o trabalho.
Tudo quanto ganha
o operário aplica como um capital
em sua marmita.
E o que ele não ganha
embora trabalhe
é outro capital
que também investe:
palavra que diz em seu sindicato,
frase que se escreve
no muro da fábrica,
visão do futuro
que nasce em seus olhos
que só com fumaça
se enchem de lágrimas.
Em sua marmita
não leva o operário
o caviar de qualquer metafísica.
E sendo ele o mais
exato dos homens tudo nele é físico
e material,
tem seu nome e forma
seu peso e volume,
pode-se pegar
Seu amor tem saia
pêlos e mucosas e,
fecundo, faz novos operários.
As coisas se medem
pelo seu tamanho:
sono, mesa, trave.
No trem ou no bonde
nenhum operário
pode se espalhar
sem fazer esforço.
É como no mundo:
- tem que empurrar.
Vasilhame cheio
de matéria justa,
sua vida é exata
como uma marmita
Nela cabe apenas
toda a sua vida.
E não cabe a morte
que esta não existe,
não sendo manual,
não sendo uma peça
de recauchutar.
(Artigo infinito,
sem ferro e sem aço,
qualquer um a embrulha
sem usar barbante
ou papel almaço.)
Fabril e imanente
o operário vive
do que sabe e faz e,
sendo vivente,
respira o que vê.
O tempo que o suja
de óleo e fuligem
é o mesmo que o lava,
tempo feito de água
aberta na tarde
e não de relógio.
E a própria marmita
também é lavada.
E quando ele a leva
de volta pra casa
ela, metal, cheira
menos a comida
do que a operário.
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